Joaquim Paço d’Arcos, um dos maiores escritores portugueses do século XX, foi aluno do Liceu de Macaunos anos lectivos de 1919-1920 a 1921-1922, acompanhando o pai, Comandante Henrique Monteiro Correiada Silva (Paço d’Arcos), que foi governador, de 23 de Abril de 1919 a 20 de Maio de 1922. Embora ainda muito jovem, esta sua passagem pelo Oriente marcou-o indelevelmente. Aqui conheceu Camilo Pessanha e,partindo da novelística portuguesa contemporânea que já lia avidamente, acentuaram-se as suas preferências por temas orientais e por escritores que relataram as suas experiências nestas paragens, como Wenceslau de Morais, Pierre Loti e Leofcadio Hearn. Além disso, Macau era assunto de conversa em casa, visto que também o seu avô, Comandante Carlos Eugénio Correia da Silva, Viscondede Paço d’Arcos, fora governador, de 20 de Outubrode 1876 a 21 de Agosto de 1879, altura em que o pai aqui nasceu. O seu biógrafo, Álvaro Dória, em Joaquim Paço d’Arcos – a obra e o homem, refere mesmo que“Macau, depois da África, foi o ponto da terra que mais fundamente impressionou a alma sensível do rapaz que caminhava na vida com o olhar já atento aos mistérios do Mundo e, mais tarde, ao mistério do Homem” e “foram, por certo, recordações desses tempos […]que actuando no seu subconsciente, vieram a contribuir para ampliar o conhecimento directo que viria aadquirir do homem oriental, tão magistralmente revelado em O Navio dos Mortos”. Esta obra sua (de 1952) e várias outras, como Amores e Viagens de Pedro Manuel (1935) e Poemas Imperfeitos (1952) contêm reminiscências das suas viagens por terras do Extremo Oriente, que incluíram Hong Kong, Cantão e várias outras localidades da Província de Guangdong 廣東. Também se interessou por Timor, a partir do seu encontro com o Padre Manuel Pereira Jerónimo, missionário em Díli e seu companheiro na viagem para Macau, com quem trocou correspondência. Joaquim Belford Corrêa da Silva (Paço d’Arcos), ou simplesmente Joaquim Paço d’Arcos (seu nome literário), nasceu em Lisboa a 14 deJunho de 1908, falecendo na sua terra natal a 10 deJunho de 1979. Antes de ir para Macau ainda esteve, de 1912 a 1914, em Angola, onde o pai foi governador de distrito, em Moçâmedes. Uma longa viagem, via América, levou-o com os pais e os irmãos Pedro, Henrique e Manuel até Macau, tendo seguido de S. Franciscoda Califórnia para Hong Kong no Persia Maru e depois para Macau na canhoneira Pátria. A chegada a Hong Kong, no dia 20 de Maio de 1919, foi por ele assim descrita: “Andavam no mar algumas lorchas, nafaina da pesca. As montanhas da Ilha Vitória foram pouco a pouco erguendo-se do horizonte, até formarem barragens à nossa frente. Verdes, emprestavam cor à água do mar, que verde se tornara também. Maciças, marginavam com a sua sombra gigantesca a baíaonde fundeámos. Assente na orla da montanha, numa grande extensão ribeirinha, trepando e dispersando-se pela encosta, a cidade em anfiteatro dava-nos, madrugadora, as boas-vindas. Olhei encantado e entristecido. Abria-me as portas para novos países, novas civilizações que buscara. Era cortina de palco policromático de irresistível atractivo e sedução. Para o ver atravessara meio mundo”. Foi em Macau que começou a escrever, encetando o seu longo e riquíssimo percurso literário, no pequeno jornal A Academia, órgão dos alunos do Liceu, fundado pelo seu irmão Pedro e onde colaboraram entusiasticamente outros estudantes, de Outubrode 1920 a Junho de 1921. E a leitura consumia os seus tempos livres, como ele próprio recordaria mais tarde: “Lembro-me que devorei dezenas de livros de Camilo, partilhando do sofrimento das suas criaturas, como se a China inteira, ao pé de mim, não existisse e o mundo se confinasse às estreitas veredas do Douro e do Minho, em que moviam, trágicas, grotescas ou lúgubres as suas personagens”. Também foi em Macau que Joaquim Paço d’Arcos conheceu aquela que viria a ser a sua primeira mulher, Maria Cândida de Magalhães Corrêa, filha do Almirante Luís de Magalhães Corrêa e de Maria Leonor da Silveira e Lorena, com quem se casou em Dezembro de 1932, em Lisboa. Depois de uma vida profissional intensa e multifacetada, em organismos públicos e privados, em Portugal, no Brasil, na África Portuguesa e em países estrangeiros, ao serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de que foi alto funcionário, aposentou-se em Dezembro de 1960, passando a dedicar-se exclusivamente à actividade literáriae à Sociedade Portuguesa de Escritores, de que foi presidente, de 1960 a 1963, sucedendo a Jaime Cortesão. Deixou-nos num dia de Portugal e de Camões (10 de Junho de 1979), mas ficaram para a posteridade os seus livros, alguns dos quais, como Amores e Viagens de Pedro Manuel (1935) O Caminho da Culpa (1944), Tons Verdes em Fundo Escuro (1946), Ana Paula (1938), Diário de um Emigrante (1936), Espelho de Três Faces (1950), A Corça Prisioneira (1956), Ansiedade (1940), Neve Sobre o Mar (1942) e Cela 27 (1965), foram conhecendo sucessivas reedições. As Memórias da minha vida e do meu tempo recordam, em três volumes autobiográficos (de 1973, 1976 e 1979), o percurso do grande escritor que, nas palavras do Padre Manuel Teixeira, que lhe dedicou uma curta biografia, “foi o aluno do Liceu de Macau que mais se destacou com singular brilhantismo no cenário da literatura portuguesa” e “a sua obra rompeu as nossas fronteiras e tem uma ressonância universal”. [J.A.H.R.]
Bibliografia: DÓRIA, Álvaro, Joaquim Paço d’Arcos – A Obra e o Homem, (Lisboa, 1962); PAÇO D’ARCOS, Joaquim, Memórias da minha Vida e do meu Tempo, 3 vols., (Lisboa, 1973-1979); RANGEL, Jorge A.H., Falar de Nós, (Macau, 2004);TEIXEIRA, Padre Manuel, O Liceu de Macau, (Macau, 1980).

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Data de atualização: 2022/11/03