Ouvidor de Macau de 1787 a 1797. Natural de Lagos e formado em Direito, Lázaro da Silva Ferreira foi juiz em Esposende antes de passar à Relação de Goa, onde se encontrava em 1784. A 23 de Abril deste último ano, foi indigitado para ir a Macau, a fim de implementar algumas das medidas previstas na Instrução que Martinho de Melo e Castro tinha remetido a D. Frederico Guilherme de Sousa (governador da Índia de 1779-1786), a 4 de Abril de 1783. Tendo viajado com o bispo de Pequim, D. Frei Alexandre de Gouveia, que ia a caminho da sua diocese, Lázaro da Silva Ferreira chegou à Cidade do Nome de Deus, a 5 de Julho de 1784. Escudado pelas instruções que levava de Goa, o juiz, assim que desembarcou, intimou os vereadores a que lhe apresentassem os livros da contabilidade do Senado dos últimos dez anos. Com o tabelião que tinha levado da Índia, analisou as contas públicas da cidade, tendo constatado que as sucessivas vereações, entre 1761 e 1784, tinham acumulado a soma de 180 mil taéis. Aliás, o total entesourado seria bastante mais elevado se neste balanço tivessem entrado as dívidas insolúveis, decorrentes dos empréstimos concedidos pelo Senado a moradores que entretanto tinham falecido ou se encontravam em situação de falência. Enquanto examinava os cofres públicos, Lázaro da Silva Ferreira procedeu ao estabelecimento de uma alfândega e participou com o governador Bernardo Aleixo de Lemos e Faria (1783-1788) na instalação das tropas que o governador da Índia tinha enviado para reforçar a guarnição macaense. Por determinação de Goa, também acompanhou a criação do Seminário Real no antigo colégio de S. José, tendo-se pronunciado sobre a escolha do edifício e os recursos necessáriosà sua manutenção. Além destas diligências, Lázaroda Silva Ferreira procedeu ainda a uma aturada pesquisa nos diversos cartórios da cidade, para tentar localizar as alegadas chapas sínicas em que estariam explicitados os privilégios e as regalias concedidas pelos imperadores da China aos primeiros portugueses que se tinham fixado em Macau. Afanosamente procurados, os documentos não foram encontrados em nenhum dos arquivos. Face ao insucesso da investigação, o juiz decidiu inquirir os moradores mais antigos para averiguar se eles possuíam qualquer notícia certa sobre as almejadas chapas sínicas. Nenhum deles tinha jamais visto os diplomas, mas constava-lhes que uma cópia dos mesmos se encontrava nos arquivos do zongdu 總督 (suntó) em Cantão. Ainda que fosse verdade, não havia possibilidade de em tempo útil obter uma cópia dessa documentação, para elaborar a instrução que os moradores de Macau deviam entregar a D. Frei Alexandre de Gouveia para que este negociasse na corte chinesa a restituição dos alegados antigos direitos e privilégios da cidade. Sem provas documentais escritas, a instrução levada pelo bispo de Pequim baseava-se essencialmente na tradição oral. Em penhado no cumprimento das suas tarefas, o desembargador de Goa foi surpreendido com o levantamento de uma polémica que envolvia os portugueses e os funcionários cantonenses. Estes exigiam que o procurador do Senado lhes entregasse dois religiosos chineses que, estando a ser perseguidos na China, se tinham refugiado em Macau. A discussão prolongou-se durante algum tempo, tendo Lázaro da Silva Ferreira participado activamente nas conversações que permitiram a saída dos religiosos da cidade sem terem de se submeter aos ditames da justiça chinesa. Cumpridas as suas incumbências, o desembargador regressou a Goa no início de 1785, mas as deliberações tomadas em Lisboa, enquanto viajava para a Índia, fá-lo-iam regressar a Macau em 1787. Com efeito, tendo sido restabelecida a ouvidoria, o Conselho Ultramarino propôs a nomeação de Lázaro da Silva Ferreira para desempenhar as funções de ouvidor. A Rainha ratificou a nomeação a 2 de Fevereiro de 1785, mas a notícia só em Maio de 1786 chegou a Goa. Em Agosto do ano seguinte, o novo ouvidor tomava posse do cargo, mas os macaenses não apreciaram o regresso de Lázaro da Silva Ferreira à cidade. Além do rigor com que tinha executado em 1784 as directivas do governador da Índia, os moradores de Macau contestavam o muito poder concentrado na pessoa do ouvidor. De facto, por deliberação de Goa, Lázaro da Silva Ferreira, com a administração da justiça, passava a acumular as funções de Juiz e Administrador da Alfândega, as de Juiz dos Órfãos e ainda as de Provedor dos Defuntos e Ausentes. Em virtude destes cargos, o novo ouvidor superintendia na área da justiça, em todos os assuntos de natureza económica e ainda no processo eleitoral. Insatisfeitos, os moradores de Macau tentaram em 1788 afastar Lázaro da Silva Ferreira, mas as diligências que para este efeito foram efectuadas em Goa não foram bem sucedidas. O ouvidor, nomeado por 3 anos, ficaria, não obstante a oposição dos macaenses, a exercer o cargo até 1797, chegando mesmo a desempenhar as funções de governador interino entre 1789 e 1790, devido à inesperada morte de Francisco Xavier de Mendonça Corte Real. Acusado de se servir da administração dos fundos públicos para favorecer os seus partidários e os estrangeiros, o ouvidor foi contestado por alguns moradores, mas também pelo governador Vasco Luís Carneiro de Sousa e Faro (1790-1793). Sobreviveu não só a estas acusações, mas também às denúncias de que manipulava as eleições com o objectivo de colocar no Senado os seus apaniguados. Saliente-se, por fim, que esta contestação não impediu Lázaro da Silva Ferreira de organizar o intricado processo que levaria ao perdão das dívidas contraídas pelos moradores junto do Senado. Não estando, por morte ou por falência, em condições de honrar os compromissos assumidos, o ouvidor propôs o perdão régio dessas dívidas. A proposta acabaria por ser sancionada pelo Príncipe Regente em Março de 1799. Entregue o cargo ao seu sucessor, Lázaro da Silva Ferreira regressou a Portugal no início de1798, continuando a interessar-se pelos assuntos de Macau através da sua participação no Conselho Ultramarino, para que entretanto fora nomeado.Terminada a sua carreira, fixou-se em Lagos, onde viria a falecer em 1825. [A.V.]
Bibliografia: ABREU, António Graça de, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808). Contribuição para o Estudo das Relações entre Portugal e a China, dissertação policopiada, (Lisboa, 1998); GUIMARÃES, Ângela, Uma Relação Especial: Macau e as Relações Lluso-chinesas (1780-1814), (Lisboa, 1996); TEIXEIRA, Padre Manuel, Macau no Século XVIII, (Macau, 1984); VALE, A. M. Martins do, Os Portugueses em Macau, (1750-1800), (Macau, 1997).

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Data de atualização: 2023/06/14