BEALE, THOMAS (1775-1841). Agente comercial inglês que vem de Londres para Cantão/Macau por volta dos seus dezassete anos (c. 1791), sendo cônsul da Prússia até 1798 e, até 1829, membro da firma Magniac and Company. O comerciante é autorizado, em Fevereiro de 1814, a comprar uma casa e a comercializar, entre outras mercadorias, ópio em Macau, vivendo no enclave, nomeadamente na Rua do Hospital e na Penha, durante cerca de cinquenta anos, até se suicidar em 1841, após a crise do ópio que o leva à falência e que envolve quer a Companhia das Índias inglesa, quer o ouvidor Arriaga. Os seus exóticos aviário e jardins (nos quais se encontram cerca de 2.500 vasos), situados na rua chamada pelos estrangeiros de Beale’s Lane, são, durante muito tempo, dos mais importantes ex libris de Macau, pintados por George Chinnery e descritos por inúmeros viajantes: Harriett Low, Lights and Shadows of a Macao Life, “Monday 26 (October 1829)”, vol. 1, 2002, pp. 74-75; George Bennett, Wanderings in New South Wales, Batavia, Pedir Coast, Singapore, and China; Being the Journal of a Naturalist in those Countries, During 1832, 1833, and 1834, vol. 2, 1834, pp. 36-52; 57-78; W. S. W. Ruschenberger, Narrative of a Voyage Round the World during the Years 1835, 36, and 37…, vol. 2, 1838, pp. 199-201; Cyrille-Pierre Theodóre Laplace, Voyage Autour du Monde…, vol. 2, 1833, p. 269; Rebecca Chase Kinsman, “The Daily Life of Mrs. Nathaniel Kinsman in Macao, China. Excerpts from Letters of 1844” (11th Mo. 21st 1843), The Essex Institute Historical Collection, vol. 86, Outubro de 1950, pp. 25 26 e C. Toogoood Downing, The Fan-Qui in China in 1836-7, vol. 1, 1972. Quando Samuel Welles Williams (1812-1884) visita o aviário, em 1833, existem aí cerca de duzentas aves, das quais vinte são magníficos pavões. De acordo com Emil Vasilievich Bretschneider em History of European Botanical Discoveries in China, Beale, conhecido do naturalista John Reeves, é o primeiro inglês a enviar para Londres o faisão Reeves, sendo também dos primeiros coleccionadores de inúmeras espécies vegetais e animais orientais raras, que envia para a Europa. O autor afirma ainda que do interior do aviário se erguem duas árvores Longan (Nephelium Longan), em cujos ramos as aves se distraem, tal como no lago situado no centro do mesmo. O cadáver de Beale é enterrado na areia da praia a 11 de Dezembro de 1841 por pescadores chineses, que guardam segredo absoluto. Um mês depois, o corpo é descoberto e sepultado no Cemitério Protestante de Macau. Apesar da proibição da EIC, alguns comerciantes ingleses a trabalhar por conta própria, e sob a protecção da bandeira de outras nações, vão-se estabelecendo em Macau durante todo o ano, como acontece, no final do século XVIII, com Daniel Beale, cônsul da Prússia no Sul da China, irmão de Thomas Beale, que serve de intermediário aos sobrecargas da Companhia das Índias inglesa (EIC) e acumula fortuna no enclave, envolvendo-se no tráfico do ópio e estabelecendo parecerias comerciais com figuras como o ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira e com mercadores chineses. No início de 1817, o ouvidor Arriaga autoriza Beale a residir no território mais cinco anos para normalizar as contas junto dos seus credores. O filho do agente, Thomas Chaye Beale (c. 1810-1857), é educado em Inglaterra, desempenhando funções em Cantão (1826) como escriturário das firmas Magniac and Company, e, mais tarde, da Jardine, Matheson, em Singapura. Em Xangai, onde é sócio da Lancelot Dent in Dent, Beale, and Company, desde 1845, T. Chaye Beale é famoso pela sua hospitalidade e pela sua colecção botânica, tal como o seu pai o fora, desempenhando, em 1851, as funções de cônsul português nessa mesma cidade. J. M. Braga, descreve as ligações de Thomas Beale com o ouvidor Arriaga, que acabam por ser fatais para o agente inglês, e Austin Coates refere o envolvimento de Beale com Arriaga e o seu genro, o barão de S. José de Porto Alegre, na Primeira crise do ópio, ficando o primeiro a dever à EIC $800.000. O agente paga metade da sua dívida à Companhia inglesa, mas entra em processo de falência, desaparecendo durante algum tempo, vivendo, na ruína, em sua casa e na residência do seu comprador chinês, em Monghá (Wangxia 望廈), suicidando-se na praia de Cacilhas, em 1841. A propósito da vida e morte de Beale, William C. Hunter cita um artigo (obituário) do Chinese Repository, que descreve o desaparecimento (Dezembro 1841- Janeiro 1842) do “mais antigo residente estrangeiro na China”, afirmando que este viera para Macau como empregado da firma Shank and Beale, da qual o seu irmão Thomas Beale, que falece no enclave em 4 de Janeiro de 1827, era sócio. O autor refere a relação comercial de Beale com o ouvidor, não revelando a identidade do “cavalheiro português”, descreve o momento em que conhece o agente inglês, a quem mais tarde (1825) oferece aves para o seu aviário, bem como a personalidade formal do comerciante e as dificuldades que este lhe confessa pessoalmente, transcrevendo mensagens trocadas em Chinese Pidgin English (“traduzidas” para inglês), entre este último e os mercadores chineses que o acalmam ao perdoarem-lhe as dívidas. Beale, então com mais de setenta anos, visita Hunter, pouco antes de desaparecer, pedindo-lhe dinheiro emprestado, regressa em Dezembro de 1841, dirigindo-se à casa de um médico, Anderson, para desaparecer de novo. Hunter segue uma multidão para a Capela Protestante da Companhia das Índias inglesa, onde é prestada, mais tarde, uma última homenagem ao agente comercial, que é sepultado no Cemitério Protestante da cidade. Seis meses após o funeral, três chineses confessam ao comprador da casa de Beale que haviam encontrado o seu amo na tarde em que este se suicidara, tal como mais tarde, o seu cadáver posteriormente, mas, com medo de serem considerados culpados pelo mandarim da Casa Branca pela morte do estrangeiro, acabam por o enterrar na areia, onde este é mais tarde encontrado. O Padre Manuel Teixeira adianta que o episódio ficcional de Beale (Biddle) no romance histórico de Austin Coates City of Broken Promises tem um fim verdadeiro, identificando acontecimentos que são base para a intriga da narrativa ficcional: “O dinheiro [para comprar o ácido prússico com que Beale se suicida] foi-lhe dado, não por Marta, mas pelo seu bom amigo William Hunter […]”. Também Timothy Mo, no romance histórico An Insular Possession refere “o aviário de Mr. Veale’s”, ficcionalizando o suicídio de Veale (Beale), ou seja, o agente inglês, além de ser uma famosa e trágica figura histórica associada à comunidade estrangeira em Macau, através quer da sua actividade económica quer do seu aviário, acaba por se tornar também uma personagem literária (anacrónica) nos romances históricos de língua inglesa, cuja acção tem lugar na Macau setecentista/oitocentista. Bibliografia: Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, cx. 37, doc. n.° 14, cx. 42, docs. n.°s. 16 e 26, cx. 45, docs. n.°s. 21 e 49, cx. 46, doc. n.° 31 e cx. 63, doc. n.° 2, (Lisboa); LAPLACE, Cyrille-Pierre Theódore, Voyage Autour du Monde par les Mers d’Inde et de la Chine Exécuté sur la Corvette de l’État la Favorite pendant les Années 1830, 1831 et 1832 sous le Comandement de M. Laplace Captaine de Frégate, 5 vols., (Paris, 1833-1839); BENNET, George, Wanderings in New South Wales, Batavia, Pedir Coast, Singapore, and China; Being the Journal of a Naturalist in those Countries, during 1832, 1833, and 1834, 2 vols., (Londres, 1834); RUSCHENBERGER, W. S. W., Narrative of a Voyage Round the World during the Years 1835, 36, and 37, vol. 2, (Londres, 1838); Sir DAVIS, John Francis, The Chinese, (Nova Iorque, 1842); WILLIAMS, Samuel Wells, “Recollections of China Prior 1840”, Journal of the North China Branch of the Royal Asiatic Society, nova série, vol. 8, n.° 8, (1874), pp. 1-21; HUNTER, William C., Bits of Old China, (Londres, 1885); MORSE, Hosea Ballou, The Chronicles of the East India Company Trading to China 1635-1834, vol. 2, (Oxford, 1926); KINSMAN, Rebecca Chase, “The Daily Life of Mrs. Nathaniel Kinsman in Macao, China. Excerpts from Letters of 1844” [11th Mo. 21st 1843], The Essex Institute Historical Collection, vol. 86, (Essex, Outubro de 1950); BRAGA, J. M., “A Seller of ‘Sing-Songs’: A Chapter in the Foreign Trade of China and Macao”, Journal of Oriental Studies, vol. 6, n.° 1-2, (1961- 1964), pp. 61-108; DOWNING, C. Toogoood, The Fan-Qui in China in 1836-7, vol. 1, (Shannon, 1972); TEIXEIRA, Padre Manuel, “O Herói de um Romance [Thomas Beale]”, cota: MAN. A. 72, cx. 16, 496, Centro Científico e Cultural de Macau, (Lisboa, s./d); TEIXEIRA, Padre Manuel, Toponímia de Macau, 2 vols., (Macau, 1997); COATES, Austin, A Macao Narrative, (Londres, 1987); COATES, Austin, Macao and the British 1637-1842, Prelude to Hong Kong, (Hong Kong, 1989); COATES, Austin, City of Broken Promises, (Hong Kong, 1990); MO, Timothy, An Insular Possession, (Londres, 1987); BRETSCHNEIDER, Emil Vasilievich, History of European Botanical Discoveries in China, vol. 1, (Londres, 1898), p. 306; PING Jin Guo; Wu Zhiliang (eds.), Correspondência Oficial Trocada Entre as Autoridades de Cantão e os Procuradores do Senado, vol. 6, (Macau, 2000); LOW, Harriett, Lights and Shadows of a Macao Life: The Journal of Harriett Low, Travelling Spinster, 2 vols., (Woodinville, 2002).

Informações relevantes

Data de atualização: 2020/04/17