Filho do macaense Gonçalo Pereira da Silveira (que deu o nome à desaparecida Rua do Gonçalo e ao Beco do mesmo nome) e de Ana Joaquina de Araújo Rosa, filha de Simão Vicente Rosa, um dos dos mais ricos comerciantes de Macau, Francisco António nasceu em 2 de Dezembro de 1796. Era neto paterno do capitão de navios, Joaquim José da Silveira, natural de Lisboa e de Maria Pereira de Miranda e Sousa, macaense com quem aquele se casou em 1760, e parente das então mais abastadas e consideradas famílias locais: Cortella, Paiva, Pereira, Ribeiro Guimarães, Miranda e Sousa, Araújo Rosa, Correia de Liger, e Marques Noronha de Castelo Branco; o que bem comprova a afirmação local de que em Macau tudo çã primo/prima. Francisco António, cujo primeiro nome corresponde ao do Santo do dia em que nasceu, frequentou o Seminário de São José, de 1810 a 1818, e foi um dos primeiros alunos macaenses propostos para irem ao Reino, estudar em Coimbra, na mesma altura em que o foi Lourenço José Rodrigues Gonçalves, irmão do célebre sinólogo João Francisco Rodrigues Gonçalves (1806-1870), seu colega e amigo, macaense que se formou em Direito, com muito brilho. Francisco António não foi para Coimbra. O dever de filho primogénito obrigou-o a ficar em Macau, para governar os negócios da família, pois o seu pai faleceu no ano de 1818, precisamente quando ele terminou os seus estudos. A velha barca Esperança, que herdou de seu pai, não foi, porém, tripulada com vento de feição, e porque a fortuna se perdeu nos “riscos do mar”, Francisco António teve de procurar emprego no funcionalismo local. Trabalhou na Procuratura e, depois, veio a ser nomeado escrivão d’ Ante o Juiz de Direito. Acabou por não deixar descendência, nos fins de 1873, embora tivesse tido três filhos varões e uma filha. O segundo filho, foi o abastado Comendador Albino Pedro Pereira da Silveira, emérito macaense, que faleceu nos princípios do século XX. No seu diário, que nos legou e se encontra na Secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, deixou palavras cheias de amargura, ao referir- -se à morte tanto dos seus filhos, como das suas noras e netos. Porém, muito religioso, subordinava-se à vontade de Deus, e as suas palavras foram sempre de esperança na Vida Eterna. Para se compreederem os vários registos do seu diário parece-nos com interesse darmos uma ideia, se bem que a traços largos, do ambiente sócio-político de Macau na primeira metade do século XIX. A história de Macau, neste período, é caracterizada por grande agitação social e política resultante de três acontecimentos fundamentais: 1. Conflito entre a Inglaterra e a China, devido ao comércio de ópio e sua repercussão na política e na economia locais; 2. Dissidências internas, em consequência da luta ideológica miguelista-liberalista e, depois, partidarista, reflexo da que se travava no Reino; 3. Acção governativa do capitão- de-mar-e-guerra João Maria Ferreira do Amaral e tentativa de emancipação de Macau da dependência política e económica das autoridades chinesas. Não é possível demarcar, no tempo, estes acontecimentos segundo limites estanques, uma vez que alguns deles são, em parte, perfeitamente sobreponíveis. Por exemplo, o tráfego de ópio e a actuação dos ingleses na China do Sul, bem como a sua consequente repercussão em Macau, vem do século XVIII. Embora este agitado período tenha tido um fim litigioso, rematado em 1842, com o Tratado de Nanjing 南京 e a cedência da ilha de Hong Kong aos ingleses, a verdade é que as suas consequências na vida de Macau continuaram a fazer-se sentir, quer directa quer indirectamente, com influência bem marcada no acentuar do declínio da economia local. As lutas ideológicas internas provocadas pela chegada a Macau, em 1821, da notícia do movimento liberal de 1820 no Porto, prolongaram- se, mais ou menos activamente, até 1846, data em que chegou ao território o novo governador João Maria Ferreira do Amaral, ele próprio um militar liberal cabralista, mas intrépido e de pulso forte – a encarnação do paradoxo “um liberal-ditador”. A sua acção teve fim em Agosto de 1849, quando foi assassinado por um grupo de chineses, perto da aldeia de Mong Há (Wangxia 望廈), extra-muros, no Campo. À sua morte sucedeu-se uma grave crise política, que se estendeu até aos anos 50. Que papel desempenhou Francisco António Pereira da Silva nestes três períodos tão agitados da história de Macau? Como os interpretou e comentou nas folhas do seu diário? No período que precedeu a guerra do ópio, quando as autoridades chinesas impuseram a saída a todos os ingleses de Macau, saída que veio a registar-se em 26 de Agosto de 1839, sendo Governador Adrião Acácio da Silveira Pinto, foi Francisco António Pereira da Silveira, bilingue e inteligente, benquisto pelas autoridades chine sas, quem serviu de intermediário, saindo de Macau de noite, em barco particular pertencente a cidadãos macaenses, para se encontrar em pleno rio com o Comissário inglês Charles Elliot, negociando, assim, a saída pacífica e diplomática das famílias britânicas, que se haviam acolhido à protecção dos portugueses. A história diz que Elliot resolveu de repente sair de Macau. Porquê? Devido à acção diplomática de Francisco António Pereira da Silveira. Mas porque toda esta acção se desenrolou no maior secretismo, o que não diz é que o nome de Francisco António Pereira da Silveira ficou no olvídio. Sobre esta verdadeira ingratidão dos responsáveis pelo governo de Macau houve, apenas, da sua parte, um queixume registado alguns anos depois: “Tenho servido ao Reino e a vários Governadores. Quando se trata de trabalho é para mim. Quando se trata de recompensas é para os outros”. Francisco António apenas foi lembrado pelo Reino, na sequência de ofício enviado de Macau, em 1823, e que se encontra no Arquivo Histórico Ultramarino, quando assumiu, desafrontadamente, uma posição política conservadora ao gosto da maioria dos seus conterrâneos e do Governo de Goa. Foi-lhe dada uma comenda: a Cruz de Cristo. Nessa data, teve lugar em Macau uma rebelião, chefiada pelo Major Paulino da Silva Barbosa, dando origem a grande perturbação na cidade, pois levou à deposição colectiva do Senado conservador e apodado de miguelista. Sucedeu-se uma outra revolta e uma contra-revolta e, com elas, prisões e abusos de toda a ordem. Para restabelecer a ordem foi mandada, de Goa para Macau, a fragata Salamandra comandada pelo Capitão-de-mar-e-guerra Joaquim Mourão Garcês Palha, que chegou à rada em 16 de Junho de 1823, com 200 marinheiros. Francisco António Pereira da Silveira apoiou este auxílio armado vindo de Goa, e que fora impedido, em princípio, de desembarcar sob a ameaça do governo constituido pelos revoltosos. À sua custa enviou mantimentos para bordo da fragata, utilizando o seu tancá particular e concedendo também apoio financeiro aos conservadores, que acabaram por repor o antigo Senado e restabeleceram a calma e a estabilidade, em Macau, em Setembro de 1823. Recebeu, por isso, com outros seus correligionários, a Cruz de Cristo, em 1826, quando morreu D. João VI e D. Miguel, que subiu ao trono em 1828, ainda gozava de certo poder político, após a Villafrancada e a Abrilada. Cerca de duas décadas mais tarde, durante o Governo de Ferreira do Amaral, Francisco António Pereira da Silveira, que conhecia bem os chineses, considerou uma verdadeira loucura a actuação deste representante do Reino. E é curioso notar que, por várias vezes, ao longo do seu diário, prediz a morte trágica deste Governador reinol, que preferia a força à diplomacia e a quem, a maioria dos macaenses, entre si, apelidavam de Sátiro Maneta, condenando o seu despotismo. Os europeus eram considerados rudes, violentos e racistas na sua grande maioria, incluindo o Governador Izidoro Francisco Guimarães; Francisco António chega a comentar: Como não hão-de eles ser racistas se eles próprios entre si se desprezam por serem desta ou daquela localidade? Um outro aspecto que ressalta da leitura do diário de Francisco António Pereira da Silveira é a consciência política dos chineses, tão diversa da dos ocidentais. Um tratado, para eles, não era um compromisso duradoiro. Um tratado entre Nações era equiparado a um negócio entre pessoas. A face era o principal penhor; e a face só se podia perder faltando-se ao compromisso, durante a vida das pessoas que estavam comprometidas no negócio. Há, ainda, a considerar a resolução de todas as dissidências entre as autoridades portuguesas e chinesas, por meio da inevitável indemnização. Foi, de facto, uma constante em Macau. E isto porque, tal como o sistema de reciprocidade que exigia vida por vida, os danos e as ofensas às autoridades chinesas poderiam saldar-se em dinheiro. Este processo, que vem do início do estabelecimento dos portugueses em Macau, repetiu-se várias vezes e, inclusivamente, em 1966/ 67. Tanto a nível particular como oficial, os agravos saldavam-se, assim, muitas vezes. Não quer isto dizer que não houvesse mandarins cúpidos e corruptos, mas a verdade é que o seu complexo de valores era bem diferente do dos ocidentais. A subordinação das autoridades portuguesas às chinesas, era também encarada de modos diferentes, por macaenses e por europeus. Os primeiros, conhecendo de perto os chineses, cujo idioma dominavam e partilhando, de certo modo, da sua mentalidade em certos padrões de comportamento, aceitavam que os mandarins fossem tratados como entidades políticas, de acordo com a etiqueta do seu país; ao passo que os europeus, principalmente os não radicados, não podendo libertar-se do eurocentrismo característico da sua época, consideravam os chineses intrusos, cúpidos e subornáveis, detentores de costumes “estranhos” e abusivos nas suas exigências relativas a Macau. Daí, a clivagem que, quase sempre, se verificou entre o Governador, um militar do Reino, e a vereação do Senado, composta principalmente por filhos da terra influentes, que também, é certo, pretendiam defender muitas vezes os seus interesses pessoais. Após ter falecido na sua casa da Sé, foi sepultado no cemitério novo de São Miguel Arcanjo. [A.M.A.]
Bibliografia: “Abelha da China” e “O Macaense Imparcial”, Jornais de Macau, números diversos, Biblioteca Nacional de Lisboa; AMARO, Ana Maria, Macau Dia a Dia – Diário dum Macaense do Sec. XIX, no prelo; Arquivos de Macau, I e II séries; Arquivos Paroquiais de Macau e Livros de Registos da Santa Casa da Misericordia de Macau (docs. diversos não classificados nos anos 1970, quando foram consultados); Macau Dia a Dia, Manuscritos da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, Col. de Reservados, Espólio de João Feliciano Marques Pereira (Diário de Francisco António Pereira da Silveira); Manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino, Cx. 1828 a 1873.

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Data de atualização: 2022/11/03