Ferreira do Amaral nasceu em Lisboa, a 4 de Março de 1803, e faleceu em Macau no dia 22 de Agosto de 1849. Optando pela carreira militar na Armada, assentou praça de Aspirante a Guarda de Marinha em 1821 e, dois anos depois, participou no assalto a Itaparica, integrado na reacção portuguesa contra a declaração de independência do Brasil em 1822. No entanto, as suas ideias liberais vão mais tarde juntá-lo a D. Pedro. Em 1828, após a chegada de D. Miguel, Ferreira do Amaral, à semelhança do que aconteceu a muitos outros liberais, foi preso, permanecendo encarcerado cerca de ano e meio. Partiu em 1831 para Inglaterra, e em seguida para a Terceira, onde se juntou às forças que no dia 8 de Julho de 1832 desembarcaram na praia do Mindelo. Participou também no Cerco do Porto e em todo o processo que conduziu à restauração do liberalismo em Portugal. Este facto facilitou a integração de Ferreira do Amaral no círculo das elites políticas e militares que dirigiram os destinos do país nos anos seguintes. Em 1837, deslocou-se numa missão aos Açores, e em Janeiro de 1839 desembarcou no porto de Luanda por ter sido nomeado comandante da Estação Naval de Angola, cargo que exerceu até Maio de 1840. Iniciou então uma experiência política, nas Cortes e na Comissão da Marinha, em virtude da sua eleição como deputado pelas Províncias de Angola e Benguela, entre 1841 e 1843. A 3 de Novembro de 1845, João Maria Ferreira do Amaral foi promovido a Capitão de Mar-e-Guerra, a fim de ocupar um novo cargo além-mar: Governador da Província de Macau, Timor e Solor. Esta sua nomeação, num período crítico da história de Macau, ficou a dever-se fundamentalmente ao facto de ser um homem de confiança das duas personalidades que dirigiam o Ministério da Marinha e do Ultramar, a saber, o ministro Joaquim José Falcão e o oficial-maior Manuel Jorge de Oliveira Lima. O momento delicado que a colónia vivia, aberto pelas transformações que se operaram na China após a I Guerra do Ópio (1839-1842), já havia levado algumas autoridades da Província, nomeadamente o bispo Jerónimo José da Mata, a reclamarem a nomeação de um governador enérgico e com capacidade de decisão, que não adiasse por mais tempo as reformas que Macau necessitava e que vinham sendo sucessivamente adiadas. Ferreira do Amaral chegou a Macau no dia 20 de Abril de 1846, e dois dias depois tomou posse do governo da Cidade. É incontornável o papel desempenhado pela governação de Ferreira do Amaral na história do estabelecimento de Macau, quer pelo estilo de governação que adoptou (o que também teve reflexos políticos e pessoais relevantes), quer pelas medidas que implementou e que, em última instância, reflectem uma das frases mais emblemáticas presente nas instruções escritas que lhe foram entregues em 20 de Janeiro de 1846: “Macau é um estabelecimento a refundir e criar de novo inteiramente”. Assim, podemos considerar que Ferreira do Amaral definiu como grande finalidade a atingir pelo seu governo, a construção da autonomia de Macau face às influências dominantes das autoridades chinesas, particularmente de Cantão. Esta conquista da autonomia passou por três áreas fundamentais: execução do decreto de 20 de Novembro de 1845 que declarou Macau porto franco, consolidação e alargamento do espaço abrangido pela administração portuguesa, e ainda recusa de todas as práticas que, de algum modo, pusessem em causa ou limitassem o exercício da soberania portuguesa no Território. A transformação de Macau em porto franco implicava a adopção de um conjunto de medidas que proporcionassem receitas alternativas para a Província. Neste sentido, Ferreira do Amaral, teve a iniciativa de generalizar a cobrança de impostos à população chinesa e europeia. Logo nos finais de 1846 ficaram prontas as listas dos impostos e da derrama a serem cobrados junto da população cristã e, do mesmo modo, no dia 1 de Setembro de 1846, passou a ser exigido aos donos dos faitiões, que registassem as suas embarcações na Procuratura sob o pagamento de uma pataca mensal. Esta medida, que estendia a soberania portuguesa à população chinesa, através do pagamento de impostos, esteve na origem da “revolta dos faitiões” (8 de Outubro de 1846). Ainda no capítulo económico, Ferreira do Amaral mandou publicar e divulgar pela Cidade, em Julho de 1847, as listas de todos os chineses que passariam a pagar impostos, assim como o respectivo montante em dívida. Em Janeiro de 1848 foi a vez da criação dos exclusivos da venda da carne de porco e, no ano seguinte, foi criado também o exclusivo do fantan 番攤. Importa sublinhar que estas medidas, para além do alcance económico que tinham e que, a curto prazo, era ainda limitado, visavam em primeiro lugar afirmar a soberania portuguesa no Território, estendendo-a à população chinesa e acabando com as influências políticas e administrativas que as autoridades chinesas mantiveram até àquela data. A estratégia utilizada pelo governador foi a do ‘facto consumado’, impedindo a reacção das autoridades mandarínicas ou, então, ignorando-as simplesmente. É nesta linha de actuação que se inscreve a sua ordem de se proceder à inscrição de todas as ruas e casas do bazar, forma encontrada para melhor exercer a sua soberania e facilitar a cobrança de impostos junto da população chinesa. Por outro lado, e de modo a melhor controlar os seus desígnios governativos, Ferreira do Amaral colocou sob a sua dependência directa o Procurador dos Negócios Sínicos, e, já no ano de 1849, proibiu a entrada em Macau das autoridades chinesas ao som de bátegas. Deste modo, em pouco mais de dois anos, o governador foi reduzindo o espaço de influência das autoridades chinesas. Mas a medida que mais contribuiu para a concretização deste objectivo foi, sem dúvida, a expulsão das alfândegas chinesas [hopus (hubu 户部)] que se encontravam na dependência do Hopu (Hubu 户部) Grande de Cantão. Esta sua medida começou a desenhar-se logo em meados de 1847, quando Ferreira do Amaral permitiu que os navios fizessem as suas cargas e descargas fora da barra. Com esta medida, o governador começou a acabar com os ‘direitos de medição’. Logo de seguida, em Agosto desse ano, acabou com o hopu da Praia Grande e, em Fevereiro de 1849, foi a vez do Hopu (hubu 户部) da Barra. O pretexto avançado pelo governador era o do abuso e das extorsões que os hopus exerciam sobre os camponeses. Faltava encerrar o Hopu (hubu 户部) Grande da Praia Pequena, dos três o mais importante posto alfandegário chinês fixado em Macau. Ferreira do Amaral começou por dar um prazo de cinco dias para que ele se retirasse. Expirado o prazo sem que se tivesse verificado a saída do hopu, o governador deu ordens para que se colocassem travessas na porta principal do edifício e para que se expulsasse o vigia que se encontrava no posto alfandegário. Decorria o dia 12 de Março de 1849. Finalmente, no que respeita à consolidação e alargamento do Território sob jurisdição portuguesa, João Maria Ferreira do Amaral iniciou, nos finais de 1846, a construção de uma estrada desde a Porta do Campo até à Porta de Santo António, não obstante a oposição a que deu origem. Em Setembro de 1848, continuou a sua política de ocupação até à Porta do Cerco, o ponto limite que desejava alcançar, também através da construção de uma estrada. Em Maio de 1847 foi a vez da ilha da Taipa, onde Ferreira do Amaral começou por mandar construir uma casa forte. Apesar dos protestos do vice-rei de Cantão, Qi Ying 耆英, Amaral utilizou mais uma vez a política do facto consumado, com o pretexto de que a casa se destinava a albergar os soldados portugueses estacionados na ilha que tinham por missão impedir actos de pirataria. Uma última palavra para a suspensão do pagamento anual do foro do chão, no valor de 500 táeis, entregue pelo Procurador ao mandarim da Casa Branca. Nos primeiros anos, o pagamento do foro foi usado pelo governador como forma de argumentar que Portugal tinha direito à posse de Macau. À medida que a sua política se foi consolidando, Ferreira do Amaral reduziu gradualmente os seus contactos com as autoridades chinesas, limitando-os praticamente ao vice-rei de Cantão. Assim, quando em 1849 Ferreira do Amaral deixou de pagar o foro, já não tinha contactos com o mandarim da Casa Branca. A actividade governativa de Ferreira do Amaral teve em grande parte a cobertura implícita das autoridades britânicas. A presença britânica, agora em torno de Hong Kong, consolidava-se de dia para dia. Em 8 de Junho de 1849, os soldados britânicos assaltaram a cadeia da Cidade para soltarem um compatriota seu (James Summers), que havia sido preso por se recusar a tirar o chapéu quando assistia à passagem de uma procissão em Macau. Desta forma, puseram em causa o eventual apoio britânico à governação de Macau, caso existisse uma qualquer reacção das autoridades chinesas à política seguida por Ferreira do Amaral. Por outro lado, a sucessão das medidas tomadas pelo governador criou um crescendo de contestação na Cidade e, em particular, junto das autoridades chinesas, que se traduziu no aparecimento de proclamações e panfletos contra Ferreira do Amaral. Um dia as ameaças cumpriram-se: no dia 22 de Agosto de 1849, no seu habitual passeio à Porta do Cerco, João Maria Ferreira do Amaral foi assassinado por um grupo de chineses, que fugiu levando consigo a cabeça e a mão do governador. Só em 1856 é que os restos mortais de Ferreira do Amaral embarcaram para Lisboa a bordo da corveta D. João I. O governo de João Maria Ferreira do Amaral é talvez o mais polémico da história de Macau. Contudo, a sua acção governativa não pode deixar de ser considerada um marco importante na construção de Macau contemporâneo. Bibliografia: DIAS, Alfredo Gomes, Sob o Signo da Transição, (Macau, 1998); DIAS, Alfredo, “O Significado da Morte de Ferreira do Amaral”, in Revista Macau, II série, n.° 35, (Macau, 1995).SALDANHA, António Vasconcelos, Estudos sobre as Relações Luso-Chinesas, (Lisboa, 1996); SALDANHA, António Vasconcelos; ALVES, Jorge Santos (dirs.), Governadores de Macau, (Macau, no prelo).

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Data de atualização: 2020/04/16