Procurando organizar uma nova resposta religiosa aos profundos problemas sociais que marcavam Turim, uma das maiores cidades recentemente industrializadas do Norte de Itália, S. Giovanni (João) Bosco (1815-1888) orientou a fundação de uma instituição cristã dirigida especialmente à juventude que, afastada do mundo do trabalho, se encontrava perdida entre orfandade e delinquência: em 18 de Dezembro de 1859 erguia-se oficialmente a grande obra salesiana, abrigada à protecção patronal de S. Francisco de Sales. Uma aventura come çada ainda no ano da ordenação do Padre João Bosco, em 1841, quando o jovem sacerdote mobiliza a sua actividade pastoral para o apoio e educação de crianças e jovens abandonados, convidando igualmente os que se encontravam encarcerados a frequentarem, após a sua libertação, o seu Oratório, como designava o espaço social e religioso em que promovia a educação destes grupos marginalizados. Tratava-se de uma instituição educativa, fixada desde 1846 em Valdocco, na cidade de Turim, combinando zonas lúdicas com oficinas, refeitórios e dormitórios, enquadrados por uma igreja com assumida vocação catequética. Reunindo em torno desta renovada obra de apoio e educação católicos vários outros sacerdotes, educadores e mestres oficinais, o Padre João Bosco começa a recrutar os primeiros dezassete salesianos entre os jovens educados no seu Oratório, institucionalizando a “Pia Sociedade de S. Francisco de Sales”, rapidamente popularizada através desse reconhecimento simples como “irmãos salesianos”. Ficámos a dever também à inteligência social e religiosa de S. João Bosco a configuração orgânica fraternal das primeiras gerações de salesianos, partilhando e dirigindo empenhadamente a sua experiência quase familiar, escrevendo também o primeiro texto regral do novo instituto e orientando a difusão da obra tanto na Europa como nas Américas. À data da sua morte, em 31 de Janeiro de 1888, as comunidades salesianas tinham já atingido o formidável número de 773, reunindo 276 noviços em 57 casas espalhadas por seis províncias europeias e americanas. Nesta altura, o carisma religioso e as actividades sociais do instituto dedicado a S. Francisco de Sales encontravam-se definidos em torno de três missões fundamentais: uma dirigindo- se para a formação católica e profissional dos jovens indigentes e abandonados; outra de cariz mais pastoral procurava evangelizar os meios populares mais carenciados; por fim, multiplicava-se uma obra missionária de evangelização de sociedades e territórios coloniais, mobilizando os salesianos para a educação das juventudes pobres dos espaços não-europeus. Esta trifuncionalidade missionária tem vindo a concretizar-se com continuidade através da abertura de obras educativas, das escolas às associações juvenis, através do desenvolvimento de obras apostólicas de comunicação social, das edições à radiofonia, e através de obras missionárias espalhando diversas actividades pastorais e sociais pelo mundo, multiplicando espaços salesianos fundados “sobre a caridade pastoral e a bondade”, como ensinava S. João Bosco no seu muito lido tratado pedagógico intitulado Método Preventivo, divulgado em 1877. A comunicação entre Macau e a obra salesiana começa ainda a organizar-se na década de 1890, quando o jesuíta italiano Francesco Xavier Rondina depois de ter dirigido entre 1862 e 1871 o colégio macaense de S. José, retornou a Itália após estada em terras brasileiras, descobrindo a nova obra educativa dedicada a S. Francisco de Sales. Recordando a sua experiência de ensino entre grupos juvenis macaenses, o sacerdote jesuíta promoveu contactos epistolares tão interessados como recorrentes entre responsáveis salesianos italianos e o episcopado de Macau. Tanto D. António Joaquim Medeiros (1884-1897) como D. José Manuel de Carvalho (1897-1902) alimentaram este diálogo epistolar, mas seria necessário esperar o episcopado de D. João Paulino Azevedo (1902-1918) com a sua inteligente dedicação às populações sínicas de Macau para se assistir à instalação dos salesianos no território, começando humildemente em 1906 pela direcção do Orfanato da Imaculada Conceição vocacionado para a assistência e refúgio de crianças chinesas abandonadas. A curiosidade epistolar longamente mantida com os bispos de Macau não se concretizou imediatamente na instalação da obra salesiana porque as perspectivas e estratégias religiosas em presença não se mostravam na viragem do século totalmente concordantes. Com efeito, a vocação missionária salesiana parece ter alimentado ainda nos tempos fundacionais do Padre João Bosco um indisfarçado interesse pelas missões em território da China, horizonte que interrogava as próprias vocações e estratégias religiosas do episcopado de Macau, convocando essa longa história legada por um “padroado oriental” em que a evangelização da China comparecia como privilégio da coroa e da cruz portuguesas. Existia mesmo, desde meados do século XVIII, uma instituição duplamente educacional e missionária dirigida para o labor evangélico católico no grande império do meio: precisamente esse colégio de S. José de onde havia saído o Padre Francesco Rondina. Fundado inicialmente como uma casa destinada a preparar missionários para a China, o seminário viria a ser inaugurado em 1758 para se ver envolvido, muito rapidamente, quatro anos depois, nas consequências da política anti-jesuítica do Marquês de Pombal. Depois de dificuldades várias, o seminário viria a ser entregue, em 1800, aos lazaristas da Congregação da Missão, assegurando a sua orientação educativa e religiosa até 1854. Reaberto em 1857, anexando por ordem do governador a chamada Escola Pública, o Se minário volta a ser entregue aos jesuítas pelo Bispo D. António Joaquim de Medeiros, em 17 de Março de 1890, institucionalizando a qualificada experiência de alguns professores da Companhia que aí haviam ensinado nas décadas anteriores. Com a implantação da República em Portugal, a cinco de Outubro de 1910, bastaram apenas três rápidos dias para que o novo poder editasse um decreto oficial ordenando a expulsão dos Jesuítas com evidentes reflexos nas suas posições ultramarinas. É neste contexto de sucessivas alterações políticas e de quase permanente reorganização das estruturas educativas das instituições eclesiásticas e religiosas de Macau que, desde 13 de Fevereiro de 1906, se concretiza a fixação de seis salesianos enviados directamente de Turim, reunindo aos sacerdotes Luigi Versiglia, Giovanni Fergnani e Ludovice Olive outros três irmãos leigos mestres de oficina, Felice Boresio, Gaudencio Rota e Luigi Carmagnala. Dirigia claramente este primeiro grupo fundador o Padre Luigi Versiglia (1873-1930) que, após abrir em Macau a primeira obra salesiana, ergueu na China a missão de Shiu Chow, foi sagrado em 1920 seu primeiro Bispo para ser, dez anos depois, martirizado na região em circunstâncias de larga ressonância polémica. O pequeno Orfanato dedicado à Imaculada Conceição transformou-se rapidamente numa grande casa de ensino, acolhimento e missionação, escorando a “casa-mãe” dos salesianos na sua irradiação religiosa pelo Extremo-Oriente. A seguir, os salesianos dirigem novamente para a juventude marginalizada chinesa a criação do Colégio de Yuet-Wah (Yuehua Zhongxue 粵華中學), acompanhado pela construção de outras obras de diferentes espacializações sociais e religiosas, da missão de S. Francisco Xavier ao trabalho das leprosarias, passando pela edificação da escola de D. Luigi (Luís) Versiglia ou pela publicação a partir de oficinas próprias do jornal Nun’Álvares, distribuído entre 1921 e 1923. Em 1950, a implantação religiosa e o prestígio social local dos irmãos salesianos amplia-se ainda mais com a inauguração do Colégio de Dom Bosco, especialmente dirigido para a educação de filhos e descendentes de portugueses, concretizando um projecto de educação em língua portuguesa que se mostraria fundamental na formação de várias camadas de jovens que alimentaram as administrações, burocracias e igrejas coloniais no mundo asiático, de Macau a Timor. Neste período, dominava a ligação progressivamente firmada entre as casas salesianas de Portugal e as suas congéneres nas diferentes expressões geográficas da sua presença colonial, vendo-se até o novo Colégio dedicado a Dom Bosco ser entregue à direcção canónica da Província Portuguesa Salesiana, contrastando com as outras obras sob a dependência da Província chinesa sediada em Hong Kong. O colégio haveria de se transformar também num centro permanente de formação do clero do Extremo Oriente, responsabilizando-se especialmente pela educação de muitos dos religiosos em missão e trabalho eclesiástico em Timor Leste, cujo paradigma é essa figura fundamental da cultura e igreja timorenses, D. Carlos Filipe Ximenes Belo, laureado com esse celebrado Prémio Nobel da Paz que, desde 1996, tanto concorreu para firmar o caminho da independência daquele que é actualmente o mais jovem país do século XXI. A dispersão provincial entre as obras salesianas de Macau haveria, mais recentemente, de ser definitivamente estabilizada com o regresso de Macau à soberania da República Popular da China, apresentando agora as suas diferentes actividades no território desta região administrativa especial três instituições que continuam a oferecer relevantes serviços sociais e religiosos que actualizam a obra erguida em Turim por S. João Bosco: a escola de D. Luigi (Luís) Versiglia, com a sua formação primária e técnica; o colégio Yuet Wah (Yuehua Zhongxue 粵華中學) com a sua educação elementar, secundária e centro de juventude; por fim, o Instituto Salesiano desenvolvendo igualmente ensino primário, educação tecnológica e centro de apoio juvenil. [I.C.S.]
Bibliografia: CARMO, António, A Igreja Católica na China e em Macau no Contexto do Sudeste Asiático. Que Futuro? , (Macau, 1997); KIRSCNHER, Carlos António, Dom Bosco e a China. Contributo para a História dos Salesianos, (Macau, 1970); RAMALHO, Padre João de Deus, “Pastor Bonus: Sua Exa. o Sr. Bispo D. Luís Versiglia Martirizado com o seu Companheiro P. Caravário por Malfeitores Chinezes”, in Ecos da Missão de Shiu-Hing, ano 6, n.º 64, (Macau, Abr. 1930), p. 51-56; RAMALHO, Padre João de Deus, “Pastor Bonus: Sua Exa. o Sr. Bispo D. Luís Versiglia Martirizado com o seu Companheiro P. Caravário por Malfeitores Chinezes”, in Ecos da Missão de Shiu- Hing, ano 6, n°s. 65-66, (Macau, Maio/Jun. 1930), p. 67-71, ; SILVA, Beatriz Basto da, Cronologia da História de Macau, 5 vols., (Macau, 1992-1998); SOARES, José Caetano, Macau e a Assistência. Panorama Médico-social. (Lisboa, 1950); TEIXEIRA, Padre Manuel, Macau e a sua Diocese, 16 vols., (Macau, 1940-1979).

Informações relevantes

Data de atualização: 2023/05/17