Professor, crítico literário, romancista e poeta português nascido em Amarante. Autor da antologia bilingue Trocar de Século: Poema/Century Sleep: A Poem (1995), conjunto de quarenta e um poemas escritos em/sobre Macau, de 22 de Março a 12 de Abril de 1993. O próprio título recorda-nos a presença portuguesa no enclave do Sul da China, sendo a chegada dos portugueses no século XVI metaforizada através do pano das velas em que se distingue a Cruz de Cristo, enquanto no final do século XX a transição da administração de Macau passa pelas portas do entendimento. Nos poemas, essa mesma (con)vivência transcultural do território encontra-se metaforizada na confusão comparativa experienciada pelos gatos que, famintos, percorrem os cemitérios chineses da cidade ingerindo as oferendas que os “mortos apenas cheiram” indo posteriormente para os cemitérios cristãos nos quais o “anjo não é para comer” (“Cemitérios”). O exotismo e a multiculturalidade geram espanto e dão lugar a um processo de (inter)aprendizagem, como o demonstra a própria lorcha navegante nos mares do Sul da China (“As ilhas e a sua Fábrica”). Macau é um aeroporto de onde se voa para o mundo, cidade cosmopolita e plataforma cultural (“Viver, Sobreviver”), fazendo a alma portuguesa também parte da história e “personalidade” da urbe em comunhão com a alma chinesa que se faz sentir por toda a cidade [“Herança(s)”]. Quanto às palavras-significantes que se repetem, campos semânticos recorrentes que se interrelacionam com a vivência multissecular do enclave, temos: bruma-mistério, século, ilhas, céu-asasvoar, jogo; cidade-pérolas-ostras, lótus, São Paulo e caligrafias. Alguns dos temas são ainda comuns aos romances do autor (“O Meu Anjo Catarina”): a aristocracia, os anjos e a Universidade de Coisa Nenhuma. O pendor cosmopolita deste espaço social é transversal a todas as composições, sendo a singularidade e o exotismo do território uma das características que concorrem para esse mesmo estatuto, como se de património mundial se tratasse. O imaginário e os rituais cristãos (“Casas e Colchas”) e orientais, bem como as inúmeras referências aos ex-libris da cidade, conferem aos textos uma cor local que adensa o imaginário em torno do qual o espaço se envolve paralelamente às solitárias e imaginativas caminhadas do visitante atento que vai pintado os sabores, os sons, as visões e a geometria da cidade pérola a flutuar no delta do rio. A par das paisagens características de Macau, como os andaimes de construção civil construídos de bambu, as colheres de chá, os idosos do Largo do Leal Senado e o jogo (“A vida, o Jogo”), a antologia vai reunindo cumulativamente diversos monumentos e topónimos da cidade, inclusivamente com recurso à metonímia. O solitário transeunte viaja no túnel do tempo, imaginando o “navegante do século dezasseis/a bater às portas/barrocas da fachada equilibrista da igreja de São Paulo” (“Trocar de Século – II”). A fachada, actualmente esguia e “equilibrista”, é adornada por uma porta que não existe materialmente através da qual o “descobridor de mundos e caminhos/já perdeu o sentido do tempo” (ibidem), sendo que mesmo com um astrolábio não sabe em que século se encontra, como se o instrumento marítimo fornecesse também as coordenadas temporais dos Descobrimentos portugueses. Este poema remete para a intemporalidade da navegação lusa, dando o seu título também nome à antologia. A fachada de São Paulo, iludida, vive (n)um eterno drama ascético, sendo “um cemitério de pedra [...] a bater asas para levantar voo” (“São Paulo”), agarrada ao chão de Macau pelo peso da âncora, que, mais uma vez, remete para os Descobrimentos. A dicotomia céu/terra, também presente na vivência da Natureza animizada e personificada do Jardim Luís de Camões (“O Verdadeiro Divino”), recorda uma das figuras esculpidas na própria fachada, a pomba do Espírito Santo. Através da troca dos séculos e dos seus trocares, ao longo das calçadas e vivências culturais de Macau, o Poema/Poem vai-se tornando um texto com pendor narrativo, por entre as entrelinhas e os trocadilhos retórico-culturais que representam uma cidade que, tal como a real, se apresenta ora exótica e distante ora próxima e familiar. Ressoa, portanto, uma pergunta ao longo da obra para a qual o sujeito lírico vai compondo e descrevendo as respostas possíveis e imaginárias (“A Alma da Cidade”). O trocar do século torna-se uma presença constante ao longo da obra, e é título de duas composições, remetendo para o século XVI (chegada dos portugueses), para o final do século XX (partida dos mesmos), bem como para um significativo “mistério de sentidos” que se vai adensando no texto. Alexandre Pinheiro Torres faleceu em Cardiff, decorria o ano de 1999. [R.M.P.]
Bibliografia: TORRES, Alexandre Pinheiro, Trocar de Século: Poema/Century Sleep: A Poem, traduzido para inglês por Deborah Nickson, revisto pelo poeta John Freeman, (Macau, 1995); PUGA, Rogério Miguel, “Trocar de Século-Poema: Macau na Poesia de Alexandre Pinheiro Torres”, in Administração: Revista de Administração Pública de Macau, vol. 14, n.º 53:3, (Macau, 2001), pp. 1131-1144; PUGA, Rogério Miguel, “Macau na Poesia Inglesa: Sir John Francis Davis; Sir John Bowring; W. H. Auden; Gerald H. Jollie e Alexandre Pinheiro Torres”, in AMARO, Ana Maria; MARTINS, Dora (coords.), Estudos Sobre a China VII, vol. 2, (Lisboa, 2005), pp. 847-882.

Informações relevantes

Data de atualização: 2022/11/03