Formadas há milénios na China, como grupos de mútuo auxílio em tempo de calamidade e desastres naturais ou como auto-defesa popular contra as exacções do estado, as sociedades secretas da China distinguem-se das suas congéneres ocidentais não só devido à sua organização hierárquica, rígida e definida, mas também por causa dos seus rituais de iniciação, consciência de grupo baseada em lendas iniciáticas e laços de lealdade assentes em juramentos místicos indissolúveis. Devido a essa forma de organização, as sociedades secretas da China foram, desde sempre, aproveitadas politicamente, funcionando como arma revolucionária em tempo de crise política ou social. Logo que a paz era restabelecida, as sociedades secretas perdiam invariavelmente esse pendor, emergindo organizada e ciclicamente no mundo do crime, até ao momento de serem de novo aproveitadas politicamente, logo que os ventos da História o determinassem. Pode dizer-se, todavia, que as sociedades secretas da China, de um modo geral, se constituíram sempre tendo em conta essencialmente motivações políticas ou sociais emergentes, respondendo a impactos sociais apenas em momentos de crise. De outro modo, remeteram-se sempre à condição de associações marginais, cuja acção se limitava ao mundo do crime, sem ameaçar em tempos de estabilidade a ordem social do Estado. Embora as referências às sociedades secretas remontem a alguns milénios, é por volta do ano zero da era cristã que surge o primeiro registo da intervenção de uma seita (Sobrancelhas Vermelhas) no derrube da primeira dinastia Han 漢 da China. Nessa época surgem também referencias a outras seitas, nomeadamente os Cavalos de Cobre e os Cajados de Ferro, mas cuja acção se encontra bastante menos documentada. Embora se possa suspeitar da existência de seitas secretas em Macau desde pelo menos a chegada dos portugueses, em 1557, as primeiras referências concretas à sua actividade no Território surgem apenas em 1849, quando nos jornais e relatórios oficiais é atribuído a elas o assassinato do governador Ferreira do Amaral. No ano seguinte, a Sociedade dos Anciãos, também conhecida por Sociedade dos Rios e dos Lagos, à qual pertenciam numerosos militares chineses, é então concretamente mencionada como estando por detrás do movimento nacionalista chinês contra a presença portuguesa em Macau. Esse movimento teve o seu epílogo na explosão da fragata D. Maria II, que ficou totalmente destruída, por ocasião da celebração do aniversário da Rainha portuguesa D. Maria II, no Verão de 1851, provocando a morte de toda a tripulação, constituída por cerca de duzentos homens. No atentado morreram também diversos tripulantes de navios de guerra franceses, ingleses e americanos, que se encontravam nas imediações, bem como pescadores e tancareiros – possuidores de pequenas embarcações que viviam do comércio de géneros com os navios ancorados nos portos de Macau. Ao longo da segunda metade do século XIX, as referências às actividades das tríades, em Macau e na região circundante, são uma constante da imprensa regional (Macau, Hong Kong e Cantão). O enfoque da comunicação social na actividade das sociedades secretas acaba por relevar a designação de Tríade, uma sociedade secreta fundada no século XVIII na província de Fujian, que acabaria por se tornar denominador indiferenciado de todas as seitas, cujas designações eram, e são, ainda muitas e variadas. A Tríade era assim conhecida pelo facto de ter como emblema um triângulo, cujos vértices representavam o homem, o Céu e a Terra. Pelo facto desta seita se ter expandido largamente, sobretudo nas províncias do Sul e nas proximidades das colónias e concessões ocidentais na China, o nome Tríade acabaria por se generalizar, designando hoje as sociedades secretas chinesas em geral. Sun Yat-Sen, (Sun Yixian 孫逸仙) o primeiro presidente da China, contou com a Tríade como principal fonte de recrutamento de homens nas diversas tentativas que efectuou para derrubar a dinastia Qing 清, até, finalmente, conseguir provocar o colapso da monarquia imperial, na Revolução de 10 de Outubro de 1911. Para além de pertencer àquela sociedade secreta, Sun Yat-Sen (Sun Yixian 孫逸仙) fundaria também, ele próprio, a Sociedade para a Regeneração da China, organização secreta que teria papel relevante no percurso de implantação da República, e que foi forjada também nos moldes inici áticos tradicionais. Em Macau, as sociedades secretas voltam a ter papel relevante durante o conturbado ano de 1922, durante o qual se assistiu a um crescendo de atentados bombistas e greves que culminariam numa manifestação de massas no Largo do Chip Seng, e que terminaria com derramamento de sangue. O exército carregou sobre a multidão, daí resultando 78 mortos e mais de duas centenas de feridos. O drama levou a uma paralisação geral do trabalho e do comércio, que durou todo o Verão desse ano. A paz social só seria restabelecida já em princípios de 1923. A partir de então, as tríades deixam de se fazer ouvir, limitando-se a constituir uma ameaça de segurança a cargo das polícias. Terminada a guerra civil com a vitória dos comunistas, em 10 de Outubro de 1949, os nacionalistas retiraram para Taiwan 台灣, muitos escapando através de Macau. Destes, alguns ficaram no território, estabelecendo relações com a sociedade 14 Quilates (14 K). Esta sociedade tinha sido fundada pouco antes pelos generais de Jiang Jeshi 蔣介石, a fim de combaterem a desmoralização nas fileiras nacionalistas. Em Macau, a 14 K seria o núcleo duro da frente clandestina de resistência aos comunistas, encarregando-se nomeadamente das acções de sabotagem e espionagem nas regiões da vizinha Guangdong 廣東. A sua presença faria com que, de novo, se ouvisse falar da Sociedade dos Anciãos, fortemente ligada aos comunistas, e à qual, segundo se dizia, pertenceriam o Primeiro-ministro Zhou Enlai 周恩來, o Marechal Ju De (朱德), e o próprio Mao Zedong 毛澤東. Estas duas seitas teriam um papel importante nos acontecimentos que levariam aos tumultos ocorridos no final de 1966, conhecidos por Um, Dois, Três. Essas rebeliões marcaram o fim da presença oficial dos nacionalistas do Guomindang 國民黨 em Macau, levando a que a 14 K, já sem motivações políticas, se cindisse em numerosos bandos, que passaram a dedicar-se exclusivamente a actividades criminosas. Quanto à Sociedade dos Anciãos, saiu de cena, eclipsando- se, tal como tinha acontecido em 1850, depois da explosão da fragata D. Maria II. Desde meados do século XIX, as sociedades secretas chinesas que passaram a ser alvo de especial vigilância por parte das polícias foram, por esse motivo, perdendo os complicados rituais iniciáticos que em tempos chegavam a demorar várias horas. Os locais de iniciação e de reunião passaram também a despir-se progressivamente da parafernália cerimonial, tudo para evitar chamar a atenção das autoridades. A última grande iniciação colectiva, com a presença de mais de uma centena de recrutas, teve lugar nos anos 1970 no jardim de Lim Yok (Lulianruo Gongyuan 盧廉若公園). Nessa data, o jardim encontrava- se em fase de aquisição pelo governo e encerrado ao público. Os elementos iniciados pertenciam à So Yi On (Xinyi’an 新義安), considerada actualmente pelas autoridades de Hong Kong como uma das mais poderosas e bem organizadas sociedades secretas chinesas, contando com mais de 30 mil membros em vários países. Actualmente, as autoridades afirmam conhecer pelo menos 13 sociedades secretas activas em Macau, contando no total com cerca de mil e quinhentos a dois mil elementos. Son Yi On (Xinyi’an 新義安), Wo Sen I (Heshengyi和勝義), Seng I (Shengyi勝義), Grande Círculo, 14 K e Gasosa serão, segundo as autoridades de segurança macaenses, de entre elas, as mais importantes e numerosas em Macau, controlando essencialmente as fontes de lucro ilícito do jogo, prostituição, lavagem de dinheiros, agiotagem, tráfico de armas, tráfico de droga e, mais recentemente, contrafacção de discos compactos de vídeo e de programas de computadores. [J.V.B.G.]
Bibliografia: GUEDES, João, As Seitas: Histórias do Crime e da Política em Macau, (Macau, 1999).

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Data de atualização: 2022/11/04