Em 1573, as autoridades chinesas vedaram aos portugueses, recém-estabelecidos em Macau, a entrada na ilha de Chong San (Zhongshan 中山), para evitar a incursão de escravos negros, que iam ali perpetrar roubos. Além deste objectivo declarado, a barreira então construída no istmo destinava-se também, naturalmente, a delimitar a fronteira, bem como a controlar o aprovisionamento dos estrangeiros que acabavam de se fixar na península. António Feliciano Marques Pereira, no seu livro
As Alfândegas Chinesas de Macau narra deste modo as origens da porta então ali colocada: “Muitos escravos dos portugueses de Macau fugiam aos seus donos e iam praticar roubos nas povoações da ilha de Hian-Chan (Xiangshan 香山). Este facto deu motivo, em 1573, à construção da muralha e da barreira do istmo, a que os nossos ficaram chamando Porta do Cerco e os chinas Kuan-Chap (Guanzha 關閘)”. Refira-se aqui que, muito mais tarde, em 26/10/1814, um ofício do Ouvidor Sou-My ao Procurador de Macau, Félix José Coimbra, ainda advertia “no sentido de impedir a evasão dos escravos negros dos moradores portugueses que passavam as Portas do Cerco e iam roubar e provocar ofensas”, consumindo as refeições/oferenda deixadas nos túmulos. Retornando à data de 1573, indicada por Marques Pereira, e aceite por outros autores como C. A. Montalto de Jesus, Manuel Teixeira e B. Basto da Silva, há que contrapor a de 1575, registada na versão de Ou-Mun Kei-Leok (Aomen Jilue 澳門紀略): “No 2.º ano do reinado de Mán-Lêk (Manli萬歷) construiu-se uma barreira a meio do istmo e os guardas incumbidos de a abrir e fechar edificaram residências na sua parte superior”. Erguida a muralha do istmo, a porta começou por abrir-se “somente dois dias em cada lua”, ainda na versão de Marques Pereira. Foi então “acordado com as autoridades de Hian-Chan [Heung-Sán (Xiangshan 香山), hoje Chong-Sán (Zhongshan 中山)]” que naqueles dois dias“os chinas fizessem mercado para os portugueses irem fornecer--‑se dos géneros que precisassem, que aos chinas fosse proibido entrar no estabelecimento e aos portugueses e mais estrangeiros sair do território chinês, e que a dita porta fosse guardada por soldados e um oficial chinês”. Os guardas incumbidos da abertura e fecho edificaram ali as suas moradias, as quais viriam a ser reparadas, mais tarde, em 1674, pelo magistrado distrital Sân-Lèong-Hón, de acordo com a referida versão de Ou-Mun Kei-Leok (Aomen Jilue 澳門紀略). A porta estava encimada por uma legenda em chinês: Admirai a nossa grandeza, respeitai a nossa virtude. Funcionando como espada de Dâmocles sobre a administração estrangeira de Macau, durante muitos anos, a Porta abria com maior ou menor assiduidade, naturalmente em função dos interesses das autoridades chinesas da área. Sabe-se, por exemplo, que em Agosto de 1667, um intenso movimento comercial entre Macau e o Norte (Ansão e Cantão), levou a que a Porta, então de abertura irregular, fosse naquele mês declarada aberta diariamente, o que mereceu da população portuguesa de Macau “repique de sinos, salvas de artilharia e de mosqueteria”, como refere B. Basto da Silva. Pouco depois, em 1671, “a Porta do Cerco passou a abrir-se de 5 em 5 dias”, ainda segundo a mesma autora. Quando a Porta do Limite ou Cerco, também chamada Porta da Barreira, passou a abrir-se diariamente, de manhã, fechando à noite, o acto “era presidido por um mandarim que aplicava, e retirava na manhã seguinte, 6 papéis selados, apostos na porta” (B. Basto da Silva). O mercado acabou por se estabelecer dentro da cidade, passando os chineses a abrir as suas lojas e oficinas e a ser os donos naturais do comércio local. “Após a incursão de Vicente Nicolau de Mesquita sobre o Passalião [Pac-Sa-Lan (Beishanling北山嶺)], em 25 de Agosto de 1849, foi derrubada a barreira ou muralha, sendo ali construído um posto avançado português que ocupou o terreno desde as Portas do Cerco ao Passalião”, como escreve Manuel Teixeira. Derrubada a primitiva barreira, foi construídoo actual Arco da Porta do Cerco, dedicado à memória do governador João Maria Ferreira do Amaral e à tomada de Passalião (ou Passaleão), e inaugurado em 31 de Outubro de 1871. O então Director das Obras Públicas escreveu no seu relatório que a mesma foi inaugurada “por ordem do governo da colónia no dia 31 d`Outubro (1871) anniversario natalicio de S. Magestade Fidelissima El Rei o Sr. D. Luis 1.º Este cerco construido no caminho principal que de Macau segue a varias povoações chinas é dedicado à memoria do benemerito ex-governador – João Ferreira do Amaral, à tomada de Passeleão, conforme se acha publicado no boletim official do governo, n.º 44, de 30 do referido mez”. Sendo Amaral um oficial da armada, morto em serviço, entendeu-se inscrever no topo do Arco, o lemada marinha, que poucos anos antes (1863) fora criado pelo respectivo ministro, José da Silva Mendes Leal:
A patria honrae que a patria vos contempla. Nas paredes exteriores do monumento, duas lápides de granito recordam a data do assassinato do governador (22 de Agosto de 1849) e a da tomada de Passalião ou Passaleão (25 de Agosto de 1849). Nas paredes interiores, outras duas lápides recordam as datas em que a obra foi iniciada (22 de Agosto de 1870) e concluída (31 de Agosto de 1871). Ferreira do Amaral havia mandado colocar sobre a porta uma pedra com os dizeres Porta do Limite, e outra, em chinês, dizendo Kuan Chap Mun (Guanzhamen 關閘門), a indicar que era ali a fronteira entre Macau e a China. As duas pedras seriam depois retiradas e colocadas no átrio do Leal Senado. A portuguesa ficou sobre a janela da esquerda de quem entra, e a chinesa por cima da janela da direita.[A.G.A.]
Bibliografia: JESUS, C. A. Montalto,
Macau Histórico, (Macau, 1990); SILVA, Beatriz Basto da,
Cronologia da Históriade Macau, 5 vols., (Macau, 1992-1998); TCHEONG-U-Lam; IAN-Kuong-Iâm,
Ou-Mun Kei-Leok, Monografia de Macau, (Lisboa, 1979); TEIXEIRA, Padre Manuel,
A Voz das Pedras de Macau, (Macau, 1980).
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