A Procissão de Nosso Senhor dos Passos foi introduzida em Macau pelos padres da Ordem de Santo Agostinho. Quando chegaram a Macau por volta de 1586, fundaram o Convento de Santo Agostinho e a igreja anexa dedicada a Nossa Senhora da Graça, mas hoje conhecida apenas por Igreja de Santo Agostinho. Desde que essa procissão se realizou pela primeira vez, ou seja, logo após a chegada dos agostinianos no referido ano de 1586, o culto ao Senhor dos Passos arreigou-se de forma muito especial entre os habitantes de Macau, e passou a constituir a mais significativa manifestação pública de piedade e devoção. A Procissão dos Passos da Paixão de Cristo sempre se impôs pela grande concorrencia de fiéis e pelo fervor com que acompanhavam tão respeitável cortejo, numa tradição que perdura até os dias de hoje. Porque foram os frades da Ordem de Santo Agostinho, aqui fundada por Frei Miguel dos Santos, conforme Casimiro Cristovão da Nazaré registou em Mitras Lusitanas no Oriente, a promover a primeira procissão, a devoção ao Senhor Bom Jesus dos Passos centrou-se na Igreja de Santo Agostinho, onde permanece todo ano a venerada imagem de Cristo carregando a cruz aos ombros. Era pois dali que saía, nas vésperas do primeiro Domingo da Quaresma já ao anoitecer, a Procissão em que o andor com a imagem do Senhor dos Passos, coberta com um ténue cortinado roxo, era levado processionalmente para a Sé Catedral. A procissão descia a Rua Central, atravessava a Avenida de Almeida Ribeiro, entrava no Largo do Senado e subia a Travessa do Roquete. Era costume os irmãos da Confraria do Senhor dos Passos, envergando opas roxas, transportarem em frente do andor tochas muito fortes que davam ao trajecto uma luminosidade invulgar e exótica. Assim como algumas famílias, residentes na Rua Central, armavam à porta de suas moradias um pequeno altar onde colocavam duas velas acesas e um queimador de incenso. Hoje percorre o pequeno itinerário que separa as duas igrejas, mas desce pela Calçada do Tronco Velho até a Avenida de Almeida Ribeiro e dirige-se depois, pelo Largo do Senado e Travessa do Roquete, para a Sé, onde igualmente é pregado o Sermão da Cruz, mas em língua chinesa. Dantes, era o própro Prelado Diocesano que proferia esse sermão. Era pois no primeiro Domingo da Quaresma que se realizava a Procissão do Senhor dos Passos, solene e imponente, em que tomavam parte milhares de pessoas, muitas vindas de Hong Kong e outras cidades vizinhas. A Procissão iniciava-se na Sé Catedral com o sermão do Pretório, após o qual a Veronica, personificada por uma jovem, entoava o cântico “O vos omnes… Ó vos todos que passais pelo caminho, detende-vos e vede se há dor semlhante à minha dor”, enquanto mostrava um sudário com orosto de Cristo. Juntamente com o clero e os seminaristas, muitos fiéis cantavam o “Parce Domine”, Senhor Deus, Misericórdia. Esses cânticos eram novamente repetidos em cada uma das estações seguintes, até a sétima, diante dos altares chamados “passos da paixão” onde o cortejo parava. Concluídos estes actos iniciais, a Procissão saía da Sé, descia a Travessa do Roquete, contornava o Largo do Senado e detinha-se em frente da Igreja de S. Domingos, onde a Veronica voltava a cantar “O vos omnes”, com o andor voltado para os fiéis que acompanhavam a veneranda imagem. O cortejo subia depois a Rua de S. Domingos, passava pela então Rua do Hospital, hoje Rua de Pedro Nolasco da Silva, parava em frente do antigo Hospital de S. Rafael, onde se encontrava outra estação. Descia depois a Rua do Campo em direcção à Rua da PraiaGrande, e por esta seguia até a Travessa do Padre Narciso, que desemboca em frente da Igreja de S. Lourenço. Aí contornava à direita e, pela Rua de S. Lourenço, dirigia-se para a Igreja de Santo Agostinho. Sob o pálio, o Bispo da Diocese levava o Santo Lenho, rodeado pelo Cabido da Catedral e pelo clero secular e religioso. Durante todo o trajecto os sinos das igrejas dobravam plangentes a chamar a atenção do povo para a solenidade do momento que se vivia e a assinalar a reverência da multidão que desfilava com expressão de respeito, unção e verdadeira contrição. Durante muitos anos, até ser extinta, a Banda Municipal abrilhantava as duas procissões, a de sábado e a de domingo, o que passou depois a ser feito, até hoje, pela Banda do Corpo de Polícia de Segurança de Macau. Recolhida a Procissão à Igreja de Santo Agostinho, um sacerdote diocesano pregava o Sermão do Calvário, após o qual era hábito muitas pessoas beijarem a fímbria do manto do Senhor Bom Jesus dos Passos, antes de regressarem a suas casas. É de salientar que não só os católicos participavam nesta procissão, porquanto muitos que não professavam a fé cristã, na sua maioria de etnia chinesa, igualmente nela se incorporavam ou assistiam à sua passagem pelas ruas dacidade. Por duas razões o faziam, segundo consta de documentos antigos. Os autores de Ou Mun Kei Leok (Aomen Jilue 澳門紀略) (Monografia de Macau), Tcheong-U-Lam (Zhang Rulin 張汝霖) e Ian-Kuong-Iam (Ying Guangren 印光任), ali deixaram escrito que os chineses ganharam uma grande admiração e respeito por aquele Senhor da Cruz aos ombros por ossinos da Igreja de Santo Agostinho tocarem sozinhos. Crença ou simplesmente lenda, a verdade é que nela acreditavam, convictos de que enquanto aquele“homem com a cruz aos ombros” passeasse pelas ruas da cidade, descendo da colina de Santo Agostinho, Macau viveria em paz. Mas outro facto contribuiu também para essa crença dos chineses que talvez se possa considerar pura coincidência. Com a expulsão dos padres da Ordem de Santo Agostinho, por causada questão dos ritos, em 1711 não se realizou a Procissão do Senhor dos Passos, e nesse ano Macau passou por um período de grande fome e outras dificuldades, devido à proibição de abastecimento de géneros imposta pelos Mandarins. Logo os chineses de Macau, apegados ao seu elevado sentido de superstição, atribuíram tal calamidade ao facto do Senhor da Cruz não ter percorrido as ruas da cidade, como sempre o fazia todos os anos. Resolvida a questão dos ritos, os padres agostinianos regressaram a Macau e, desde então, nunca mais a Procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos deixou de se realizar. Hoje continua a percorrer o mesmo itinerário, com a Veronica a entoar o mesmo cântico junto das estações dos “passos da paixão”, com o Prelado a levar o “Santo Lenho”, com a Banda da Polícia de Segurança a emprestar o mesmo brilhantismo. Talvez com menos acompanhamento, mas sempre a constituir um luzido cortejo, que bem atesta que os portugueses, a todas as terras aonde chegaram, para aí levaram as cerimónias quaresmais, com todos os ritos e alto significado que elas encerram.

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Data de atualização: 2023/05/17