
Informações relevantes
Data de atualização: 2020/09/03
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
No dia 22 de Setembro de 1714, o Ouvidor Manuel Vicente Rosa manda encarcerar António de Albuquerque Coelho na Fortaleza da Guia; este, dois anos antes, mandara prender o mesmo Vicente Rosa. A 22 de Setembro de 714, Coelho escreve ao Ouvidor Rosa, protestando contra a sua prisão, alegando que fizera isso por paixão “como inimigo declarado seu, já de cinco anos a esta parte”. Tendo sido solto, Albuquerque parte para Goa, para se justificar junto da Relação, em fins deste ano. Antes de partir mandou fazer um sino, que ainda existe na ilha de Adonara (em frente de Solor) na Igreja de Vure, com esta inscrição: “António de Albuquerque Coelho Fidalgo da Casa de Sua Magestade mandou fazer este sino em 1 de Dezembro de 1714”.
Ouvidor manda encarcerar António de Albuquerque Coelho
Jorge Álvares não chegou a assistir à instalação dos portugueses em Macau. Contudo, o seu nome está indelevelmente ligado à história das relações luso-chinesas, pois, tanto quanto se consegue apurar, foi ele o primeiro português que aportou ao litoral da China, em 1513. Logo depois da conquista de Malaca, dois anos antes, Afonso de Albuquerque, então governador do nascente Estado Português da Índia, diligenciou no sentido de estabelecer contactos amigáveis com muitas das regiões que anteriormente mantinham relações comerciais com o porto malaio. Logo em 1511 e no ano seguinte, foram despachadas diversas expedições com destino ao Sião, ao Pegu, a Banda e às Molucas. Tratava-se, por um lado, de tentar manter a enorme importância de Malaca no contexto mercantil do Sudeste Asiático, desviando, em benefício dos portugueses, uma importante parte do tráfico que por ela passava. E, por outro lado, procurava-se atingir os principais centros produtores e distribuidores das mais valiosas mercadorias asiáticas e também de produtos de primeira necessidade. Juncos oriundos da China frequentavam regularmente Malaca desde as primeiras décadas do século XV. E em Malaca, tanto em 1509 como em 1511, os portugueses puderam manter contactos com mercadores chineses, apercebendo-se desde logo da extraordinária importância da China, enquanto grande potência, nos mares da Ásia Oriental. Assim, o estabelecimento de relações directas entre Malaca e os portos do Celeste Império seria, agora, apenas uma questão de oportunidade. Documentos vários comprovam que em 1512 os portugueses adquiriram, no porto de Martabão, um junco especialmente destinado à viagem à China. E o feitor encarregado desta compra não foi outro senão Jorge Álvares, homem de armas português que estava então naquelas partes. De regresso a Malaca, a expedição à China foi organizada pelas autoridades portugesas da praça, em colaboração com Nina Chatu, poderoso mercador quelim ali sedeado, tendo a embarcação sido carregada de pimenta, o produto que melhor se vendia nos mercados chineses. Este procedimento, do ponto de vista português, visava minorar os eventuais riscos de uma viagem a regiões ainda imperfeitamente conhecidas. O junco malaio-português, veio efectivamente a aportar ao litoral meridional da China, nas proximaidades de Cantão, em Julho ou Agosto de 1513. A bordo seguiam três portugueses: o feitor Jorge Álvares; o seu filho, que viria a falecer pouco tempo após a chegada à China; e um terceiro português ainda não identificado. Por ocasião desta primeira jornada, os portugueses ancoraram em Tamão, que tem sido identificada com Lin-Tin (Lingding 伶仃), ilha então semi-deserta do estuário do rio das Pérolas, situada a cerca de três léguas da costa chinesa. Ali se efectuavam normalmente as transacções entre mercadores malaios e os chineses do continente fronteiro, que acorriam a Tamão uma vez por ano, na altura da monção apropriada. Durante cerca de seis meses, Álvares e o seu companheiro permaneceram no litoral chinês, fazendo os seus negócios e, simultaneamamente, recolhendo informações detalhadas sobre a China e os chineses. Tiveram mesmo oportunidade de levantar, na ilha de Tamão, um padrão de pedra com as armas de el-Rei D.Manuel (r.1495-1521), que, curiosamente, não seria de imediato destruído pelas autoridades chinesas. O junco de Jorge Álvares regressou a Malaca em Março ou Abril de 1514, após uma jornada que variados documentos confirmam ter sido excepcional, do ponto de vista mercantil, uma vez que as trocas realizadas proporcionaram enormes dividendos. De entre as muitas mercadorias trazidas da China, especial destaque mereciam as porcelanas e as sedas. A viagem pioneira de Jorge Álvares abriu aos portugueses as portas da China, que em anos imediatos se viria a revelar um destino privilegiado para as embarcações de Malaca, esboçando-se mesmo um projecto, logo abandonado, de construção de uma fortaleza em território chinês. Ao mesmo tempo, permitiu a recolha das primeiras informações vivenciais sobre o Celeste Império. Sabe-se que Jorge Álvares, após o regresso a Malaca, preparou um extenso relatório, cujo paradeiro hoje se desconhece. Mas muitas das notícias nele incluídas seriam logo de seguida incorporadas na Suma Oriental, extenso tratado de geografia asiática preparado por Tomé Pires. Jorge Álvares, nos anos que se seguiram ao início das relações directas dos portugueses com a China, permaneceu em Malaca, efectuando ainda várias viagens ao litoral chinês. Em meados de 1518, estava novamente em Tamão, em viagem de negócios e, ao mesmo tempo, em comissão de serviço, levando mensagens do capitão de Malaca para Fernão Peres de Andrade, capitão português então ancorado junto à cidade de Cantão. É provável que nesta ocasião Álvares tenha visitado a grande metrópole do sul da China. Em 1520, estava outra vez na Baía de Cantão, em nova expedição mercantil. Mas esta viria a ser a sua última visita a terras sínicas, pois seria atacado de grave doença durante vários meses, da qual veio a falecer a 8 de Julho de 1521, no ancoradouro da Veniaga, outro nome atribuído a Tamão. João de Barros, o grande cronista português do século XVI, evocando o feito deste português em terras do Oriente, relembra, nas suas Décadas da Ásia, o padrão de pedra que ele ali colocara em 1513, ao lado do qual foi enterrado, e dedica-lhe simultaneamente um comovido epitáfio: “E ainda que aquela região de idolatria coma o seu corpo, pois por honra de sua pátria em os fins da terra pôs aquele padrão de seus descobrimentos, não comerá a memória de sua sepultura, enquanto esta nossa escritura durar”. Bibliografia: BRAGA, José Maria, China Landfall, 1513 – Jorge Álvares’ Voyage to China, (Macau, 1955); KEIL, Luís, Jorge Álvares, o Primeiro Português que Foi à China (1513), (Macau, 1990); SMITH, Ronald Bishop, Jorge Álvares, the First Portuguese to Sail to China, (Bethesda, Maryland, 1973).
ÁLVARES, JORGE (?-1521)
AZEVEDO, JORGE PEREIRA DE (?-?). Soldado, capitão e comerciante português que viveu no século XVII. Pouco se sabe dele. No entanto, deixou um manuscrito sobre o relato das suas viagens pelo Oriente, encontrando-se uma das cópias na Biblioteca da Ajuda, com o título Advertência de muita Importância há Magestosa Coroa del Rey N. Sor D. João V e Apresentadas ao Conselho de Estado da Índia na Mão do V Rey D. Filipe por Jorge Pereira(?) de Azevedo, Morador na China em 1646 (cód. 54-XI-21-9). No referido documento fornece uma visão geral do império português do Oriente, por onde passou, realizando em simultâneo uma análise crítica sobre a decadência do mesmo, sugerindo diversas maneiras de ultrapassar a crise utilizando os recursos existentes. Refere que o Estado da Índia se encontrava completamente miserável e era pouco evangelizado, indicando que a Coroa portuguesa corria sérios riscos de o perder. Na sua opinião, havia uma má gestão do mesmo. Começa o texto destacando que teve uma experiência de vinte e quatro anos na Índia, servindo como militar, mas ao mesmo tempo como comerciante, referindo ser prática na época. Fundamenta as advertências que faz ao rei D. João V através da experiência adquirida nas zonas em análise, como militar, mas essencialmente como comerciante. O relato das suas viagens começa em Moçambique, onde afirma ter conhecido a zona dos rios Cuama, e as cidades de Mombaça e Melinde. Ao longo do texto vai indicando nomes de capitães, como o de Nuno Álvares Botelho, capitão do navio onde viajou, atravessando o estreito de Mascate e aportando a Diu. Percorreu também a área de Samatra, dizendo que foi através dos holandeses que visitou Jacarta. No entanto, diz concretamente que até à data da redacção do documento não tinha estado no Bornéu, Macassar, Solor e Timor. Indica que a época mais próspera para a gente lusa no Oriente foi quando se deslocavam por ano nove naus com cerca de quinhentos a mil homens. Relativamente a Macau, a que dedicou uma parte do manuscrito, visitou-a por volta de 1643, referindo haver um número muito elevado de mulheres cristianizadas. Considera que a viagem do trato ao Japão já não era suficiente, devido ao crescimento excessivo da cidade. No texto vai tomando em consideração várias hipóteses de como Macau se recuperar devido à perda do comércio com o Japão e a tomada de Malaca pelos holandeses, sugestões baseadas em rotas comerciais alternativas dentro da zona. Todo o texto está escrito de forma fluente e, aparentemente, com conhecimento directo dos lugares indicados. Bibliografia: MATOS, Artur Teodoro de (ed.), “‘Advertências’ e ‘Queixumes’ de Jorge Pinto de Azevedo a D. João IV, em 1646”, in Povos e Culturas, n.° 5, (Lisboa, 1996), pp.431-545.
AZEVEDO, JORGE PEREIRA DE (?-?)
Nascido em 1878 na cidade de Ovar, no norte de Portugal, Jaime Artur Pinto do Amaral viria a formar-se como médico nos primeiros cursos de Medicina abertos pela Universidade do Porto, depois vivendo, trabalhando e falecendo em Macau já em 1932. Optando por exercer medicina no quadro das novas divisões do exército colonial português, chegaria à patente de coronel e conseguiria dirigir também demoradamente os Serviços de Saúde de Macau reorganizados no final do século XIX. Entre as suas diferentes missões e actividades profissionais tem especialmente interesse para a investigação histórica a sua participação como médico principal nas célebres campanhas militares que, normalmente conhecidas como guerras de Manufahi, permitiriam vencer revoltas locais e alargar a soberania colonial portuguesa em Timor Oriental. Estendendo-se entre 1912 e 1914, estas difíceis ofensivas militares coloniais apenas seriam vencidas com sucesso graças à mobilização de soldados recrutados em Moçambique e à acção decisiva da marinha colonial sedeada em Macau, organizada em torno da célebre canhonheira “Pátria”, cujas aventuras timorenses foram magistralmente registadas em livro importante por Jaime do Inso. O papel de Pinto do Amaral nas campanhas de Manufahi foi não apenas relevante no campo da assistência médica, mas permitiu também organizar o registo escrito e, mais extraordinariamente ainda, fotográfico destas quase paradoxais ofensivas militares em que um punhado de soldados vindos de Macau e de Moçambique conseguiu dissolver as rebeliões de vários régulos timorenses sobretudo graças à mobilização de tropas indígenas oriundas dos reinos do leste, aproveitando essa mais do que plurissecular divisão territorial e cultural opondo os lorosae aos loromonu. Vários dos relatos circunstanciados destas campanhas militares da guerra de Timor viriam a ser pormenorizadamente publicados por Pinto do Amaral no “Boletim da Província de Macau e Timor”, um orgão oficial em que, entre muitas decisões e nomeações oficiais, se aceitava difundir publicamente muitos relatórios e memórias importantes sobre a vida política e social de dois territórios na altura ainda com fortes ligações administrativas. Em quase uma dezena de relatórios, o nosso coronel-médico vai debuxando uma estranha guerra em que escasseavam os soldados europeus profissionais, sobrava em aventureirismo o que faltava em armamento moderno, disfunções graves a juntar a um imenso rol de problemas sanitários, falta de equipamentos e muito pouca disciplina castrense. A guerra haveria de se decidir pela confrontação quase estranha de timorenses do leste contra esses outros timorenses revoltados nas partes centrais e ocidentais de Timor Leste. Munido de uma máquina fotográfica, Pinto do Amaral registou igualmente espantosas e estranhas fotografias da guerra de Manufahi. O espólio perdeu-se quase completamente com a excepção de um punhado de eloquentes fotografias que chegariam para sobreviver ao Museu de Antropologia da Universidade do Porto em que começava a pontificar a actividade de antropologia colonial de Mendes Corrêa. Ainda hoje se conserva no museu que guarda o nome do antropólogo portuense uma pequena colecção de sete fotografias da “reportagem” de Pinto do Amaral esclarecendo uma guerra decidida nos exactos termos da cultura bélica tradicional timorense: exposições de cabeças cortadas, muitas e macabras, exibidas em Díli e noutros espaços ocidentais do Timor Oriental marcam o universo simbólico de uma guerra quase fratricida, mas apenas encerrada quando as cabeças dos revoltados se separavam do seu corpo para lhes retirar definitivamente, como acreditavam as culturas tradicionais de Timor, toda a sua força vital. Estes fragmentos tétricos de uma campanha também fotográfica devem cruzar-se com as críticas reportagens que Pinto do Amaral nos legou dessa guerra conseguindo definitivamente estabilizar a soberania portuguesa em Timor Leste graças a esses timorenses súbditos fiéis da nova República fundada em 1910, a somar também a um indispensável apoio de militares e funcionários, dinheiros e equipamentos dispensados por Macau. Bibliografia: INSO, Jaime do, Timor, 1912, (Lisboa, 1932); PÉLISSIER, René, Timor en Guerre. Let les Portugais (1847- 1913), (Orgeval, 1996) ; SOUSA, Ivo Carneiro de, “Para a História das Relações entre Macau e Timor (Séculos XVI-XX)”, in Revista de Cultura, n.° 18, (Macau, 2006), pp. 13-22.
AMARAL, JAIME ARTUR PINTO DO (1878- 1932)
A primeira grande expedição naval portuguesa a Cantão teve lugar em 1517 e foi comandada por Fernão Peres de Andrade. El-Rei D. Manuel I (r.1495-1521) estava por esses anos a pôr em prática um sistemático plano de intervenção portuguesa no comércio asiático de produtos exóticos, através do estabelecimento de feitorias e fortalezas em diversos locais estratégicos da litoral da Ásia, como Goa, Malaca e Ormuz. Entretanto, chegam a Lisboa entusiásticas notícias sobre a extraordinária importância da China no contexto mercantil da Ásia Oriental, enviadas do Oriente por agentes portugueses na sequência da conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque (1511). E o monarca lusitano logo decide despachar para os mares asiáticos uma importante armada, com o propósito de efectuar o ‘descobrimento da China’, ainda antes de chegarem a Portugal notícias da pioneira viagem de Jorge Álvares à ilha chinesa de Tamão (1513). Fernão Peres de Andrade, quando embarca em Lisboa em Abril de 1515, era um homem de cerca de 26 anos, assaz experiente em assuntos asiáticos, pois vivera no Oriente entre 1505 e 1514, colaborando activamente na fixação dos portugueses naquelas paragens. Participara, nomeadamente, na conquista de Malaca, sendo então nomeado capitão-do-mar da praça, com o encargo de assegurar a respectiva defesa. Entre 1514 e 1515 efectuou uma rápida viagem a Portugal, certamente com o intuito de solicitar retribuição régia para os serviços prestados. E el-rei D. Manuel, como recompensa, concedeu-lhe o comando da primeira expedição portuguesa oficial a demandar a China. A armada de 1515 aportou em princípios de Setembro do mesmo ano a Goa, que era já então o centro estratégico das actividades orientais dos portugueses. No litoral indiano juntou-se a Fernão Peres o boticário Tomé Pires, que deveria participar na expedição à China na qualidade de embaixador do monarca português. Apesar de ser homem de “pouca qualidade”, como referem os cronistas coetâneos, Tomé Pires possuía ampla cultura livreira, para além de ser especialista em assuntos asiáticos, já que estava então a dar os últimos retoques na sua Suma Oriental, a primeira grande e sistemática geografia portuguesa, e europeia, da Ásia marítima. Em Janeiro de 1516, Fernão Peres de Andrade rumou a Malaca, fazendo de caminho escala no sultanato de Pacém, onde pretendia efectuar um importante carregamento de pimenta samatrense, essencial ao bom sucesso mercantil da expedição em preparação. Pois se os objectivos prioritários da jornada à China eram de natureza política e diplomática, o aspecto comercial de forma alguma era descurado pelos portugueses. Mas, naquele porto, um imprevisto acidente destruiu a maior das naus de Fernão Peres, inviabilizando nesse ano a viagem da China, já que sem carga de pimenta não valeria a pena rumar aos portos chineses. Assim, o capitão-mor da expedição e os seus homens foram obrigados a permanecer no porto de Malaca durante cerca de um ano. E entretanto, em finais de 1516, puderam trocar impressões com Rafael Perestrelo, que, chegando à praça portuguesa de regresso da sua expedição de 1515 ao litoral chinês, comprovou tanto a elevada rentabilidade da viagem da China, como o ambiente francamente acolhedor que era, proporcionado aos portugueses. Fernão Peres largou de Malaca em Junho de 1517, comandando uma armada de sete ou oito velas, e dois meses mais tarde chegava finalmente às ilhas do litoral cantonense. A partir de então, e durante mais de um ano, o capitão-mor e vários navios da sua armada permaneceriam em território chinês. Uma parte da armada, a bordo da qual seguiam Fernão Peres e Tomé Pires, ultrapassou as ilhas da embocadura do rio das Pérolas, onde até então os portugueses haviam realizado os seus negócios, e rumou directamente a Cantão, não sem alguma resistência das autoridades chinesas. A chegada dos navios portugueses à cidade de Cantão causou assinalável escândalo entre a população, não só pelo ineditismo da situação, mas também pelo comportamento invulgar dos estrangeiros, que dispararam ruidosamente os seus canhões, numa forma para eles tradicional de saudar os locais onde chegavam. Mas, após a comoção inicial e as imediatas explicações do capitão-mor, a situação normalizou-se de todo e os portugueses foram autorizados pelos mandarins cantonenses a ancorar às portas da cidade. Por um lado, as mercadorias foram desembarcadas e deu-se início a um prolongado período de frutuosos intercâmbios mercantis. Por outro lado, Tomé Pires e os seus acompanhantes foram desembarcados, logo seguindo para Pequim o pedido de autorização para a embaixada seguir para a capital imperial. Mas se os negócios correram de forma extremamente auspiciosa, o mesmo não se passaria com a missão diplomática, pois mais de três anos se haveriam de passar antes de Tomé Pires rumar a Pequim. Como depois se veio a verificar, as relações externas da China eram regidas por um rigorosíssimo protocolo, que apenas previa a recepção de embaixadas tributárias de estados formalmente vassalos do Império do Meio. Os hábitos diplomáticos europeus, como os portugueses viriam a constatar de forma trágica, não tinham aplicação na China, e muitos anos seriam necessários para que as relações luso-chineses, do ponto de vista oficial, se normalizassem. Mas a estadia da armada de Fernão Peres em Cantão não deixou de constituir um estrondoso sucesso a vários títulos. Em primeiro lugar, tanto o capitão-mor como os seus homens fizeram proveitosos negócios com os mercadores cantonenses, adquirindo significativas quantidades das mais valiosas mercadorias chinesas (porcelanas, sedas, almíscar, ruibarbo, raiz-da-china, etc.). Em segundo lugar, os portugueses visitaram repetida e demoradamente a cidade de Cantão, anotando com cuidado os principais traços urbanos da grande metrópole chinesa. Em terceiro lugar, puderam recolher valiosas informações sobre múltiplos aspectos da realidade chinesa, desde a topografia e a hidrografia de partes consideráveis das províncias de Guangdong 廣東 e Fujian 福建, até aos hábitos e costumes das populações chinesas ribeirinhas, passando pelas características mais salientes da organização política e administrativa e das actividades culturais e religiosas. Em quarto lugar, Fernão Peres deixava aberta a porta para um posterior desenvolvimento das relações luso-chinesas, pois conseguira impor junto das autoridades cantonenses uma imagem basicamente positiva dos portugueses. Esta imagem, aliás, fora consolidada pelo anúncio público que mandara fazer pelas ruas de Cantão, afirmando que estava disposto a satisfazer todas as reclamações que os chineses tivessem contra os portugueses e a reparar quaisquer danos ou dívidas atribuídas aos homens da sua tripulação. Em meados de 1518, enfim, os navios portugueses abandonaram o porto de Cantão, navegando até às ilhas do litoral, para de seguida, em finais de Setembro, rumarem a Malaca, onde chegariam cerca de um mês mais tarde. Nas palavras elogiosas do cronista João de Barros, Fernão Peres de Andrade, para além de deixar a China assentada, voltara de lá “mui próspero em honra e fazenda, coisas que poucas vezes juntamente se conseguem “. Eventualmente, o capitão-mor regressou à Índia, durante o ano de 1519, para logo depois seguir para Portugal, onde chegaria a salvamento em 1520. Seria depois recebido em Évora, por el-rei D. Manuel, a quem deu demorada conta das suas aventuras chinesas, como testemunha o cronista Damião de Góis, na sua Crónica do reinado daquele monarca. Terá recebido devida recompensa da coroa portuguesa, pois em anos seguintes vemo-lo desempenhar importantes cargos de nomeação régia, que valerá a pena referir resumidamente, complementando o ‘episódio chinês’, certamente o mais celebrado na sua biografia. Em 1521, Fernão Peres comanda a armada que leva a França a Infanta D. Beatriz, que casara com o duque de Sabóia por procuração. Nos anos seguintes, prestou várias vezes informações no conturbado processo da Questão das Molucas. Em algumas ocasiões comandou armadas de defesa da costa portuguesa (1528). E em 1533 poderá ter estado na Costa da Malagueta, sempre em serviço oficial. Efectuou também diversas e importantes viagens ao litoral de Marrocos, em missões relacionadas com a defesa das praças portuguesas, visitando nomeadamente Azamor e Mazagão (entre 1523 e 1541). Voltou ao Oriente por duas vezes, pois em 1535 e 1544 encontramo-lo como capitão-mor da armada da carreira da Índia. Teve, pois, uma agitada carreira de homem de armas, sempre em posições de destaque. Estas circunstâncias explicam que em 1542 tenha sido oficialmente nomeado conselheiro de D. João III (r.1521-1557); que em 1546 lhe tenha sido atribuído o destacado cargo de Provedor dos armazéns da cidade de Lisboa e armadas, com competência sobre as armadas da Índia; e que em 1549 tenha também tomado posse do cargo de Armador-mor. Peres de Andrade faleceu em Julho de 1552. Todas as fontes coetâneas confirmam que, depois da viagem de 1515-1520 à China e durante mais de três décadas, Fernão Peres de Andrade desempenhou cargos de destaque nos meios marítimos e ultramarinos portugueses. As suas experiências no Mar do Sul da China adquiriram excepcional repercussão pelo facto de ele próprio ter fornecido ao cronista João de Barros elementos essenciais para a composição das abundantes notícias sobre Cantão em particular e sobre a China em geral que figuram na Ásia – Década III, que foi impressa em Lisboa em 1563. Alguns historiadores sugerem mesmo que, depois da visita efectuada a Cantão, onde pôde observar com vagar variados aspectos da construção naval chinesa, Fernão Peres teria sido responsável pela introdução em Portugal de duas inovações de carácter técnico neste domínio: a calafetagem dos navios à maneira chinesa e a aplicação de varandas traseiras aos navios de maior porte. Bibliografia: LOUREIRO, Rui Manuel, Fidalgos, Missionários e Mandarins – Portugal e a China no Século XVI, (Lisboa, 2000); SMITH, Ronald Bishop, Fernão Peres de Andrade, (Lisboa, 1981).
ANDRADE, FERNÃO PERES DE (?-?)
No dia 3 de Março de 1717, foi recebida uma chapa (ofício) do Vice-Rei de Cantão pedindo a ida de quatro representantes do Senado à sua presença, a fim de lhes entregar uma chapa e ordem do Imperador, que aprovou umas decisões feitas pelo Tribunal da Milícia, nas quais se resolveu que os navios de Macau poderiam navegar e comerciar pelas cinco Províncias do Império e mares de Este, proibindo-lhes apenas a navegação dos mares do Sul.
Chapa e ordem do Imperador
AZEVEDO, MANUEL JOAQUIM BARRADAS DE (1746-1819). Nascido em Macau e baptizado na Sé, em 1746, Manuel Joaquim Barradas de Azevedo era neto de um “reinol” que, de seu nome Gaspar Barradas de Azevedo, conseguiu prosperar no início do século XVIII investindo nos tratos mercantis da cidade e, como sempre acontecia, chegando à vereação camarária e à mesa da Santa Casa da Misericórdia. A fortuna deste primeiro Barradas de Azevedo passaria para o seu filho varão Sebastião, mas seria consolidada e ampliada pelo seu activo neto Manuel Joaquim. À imagem do avô, cerzindo estreitamente poder económico e representação política, encontrámos Manuel de Azevedo a ocupar sucessivamente os cargos de almotacé camarário, em 1778, depois de alferes-mor, em 1792, chegando no ano seguinte à prestigiada posição de juiz ordinário do, nesta altura, ainda poderoso, Leal Senado. Em 1777, um estratégico casamento com Francisca Antónia Correia de Liger permite concretizar uma aliança fundamental com uma das mais poderosas dinastias políticas e comerciais da parte cristã do enclave. Ao lado do todo poderoso António Correia de Liger, muitas vezes vereador, procurador do Senado e provedor da Santa Casa, e do seu filho Filipe Correia de Liger, Manuel Barradas de Azevedo investe regularmente vários milhares de taéis de prata, sobretudo a partir de 1779, nos barcos e principais destinos comerciais animados por Macau: da Cochinchina a Surate, de Timor a Batávia. Acabaria por falecer na Sé, em 1819, mas deixando descendência que continuou a sua lucrativa actividade mercantil, mas já conveniente e estrategicamente baptizada com o poderoso apelido de Correia de Liger. Bibliografia: SOUSA, Ivo Carneiro de, A Outra Metade do Céu de Macau. Escravatura e Orfandade Femininas, Mercado Matrimonial e Elites Mercantis (Séculos XVI-XVIII), (Macau, 2006).
AZEVEDO, MANUEL JOAQUIM BARRADAS DE (1746-1819)
ARAÚJO, ALBINO JOSÉ GONÇALVES DE (1797-1832). Nascido no Rio de Janeiro em 1797, Albino José Gonçalves de Araújo pertence a esse muito pouco estudado grupo de funcionários, militares e comerciantes brasileiros que viria a deixar o Brasil após a sua declaração de independência, em 1822, dispersando-se por vários outros horizontes coloniais portugueses. Araújo decidiria fixar-se em Macau ainda na década de 1820 para encetar próspera actividade mercantil. Beneficiando do seu conhecimento das produções das terras brasileiras, conseguiu tornar-se proprietário de um navio em Macau, o Conde de Rio Pardo, imediatamente especializado em tratos com o novo país independente, sobretudo na importação lucrativa de tabaco em pó, depois vendido com grandes vantagens económicas nos mercados chineses e asiáticos. A sua promoção económica sustentou, como era normativo na sociedade macaense epocal, o seu acesso aos dois principais pilares do “regime” da cidade: o Leal Senado e a Santa Casa da Misericórdia. Assim, em 1824, encontrámos já Albino de Araújo a desempenhar o cargo de almotacé do Senado para, a seguir, em 1829, ser consensualmente eleito irmão da Santa Casa, uma consideração absolutamente indispensável para integrar a sua actividade económica e situação social na comunidade da burguesia comercial católica que continuava a dominar os tratos animados por Macau. Falecido no enclave em 1832, o rico comerciante deixava ao seu único filho uma importante fortuna, em capitais mobiliários e imobiliários, avaliada em fartos quatrocentos contos que o seu singular descendente se encarregou de dissipar ao longo da sua europeia vida. Chamava-se Albino Francisco de Araújo este dissoluto varão que, nascido em S. Lourenço, em 1832, rumou para as atractivas boémias parisienses, percorreu as outras grandes capitais da Europa, instalou-se com excessiva generosidade nas noites portuenses e lisboetas, acabando por se suicidar em Paris, em 1872. Uma “história” que vários outros grandes comerciantes macaenses da primeira metade de Oitocentos foram dramaticamente partilhando: quando não era a concorrência económica a destruir-lhes firmas e negócios existia sempre essa transmissão de uma fortuna a filhos que preferia dirigir-se para o mundo europeu, entre educação e fascínio cultural, muitos acabando rapidamente por dissolver os fartos cabedais paternos. Uma sorte de legado e transformação sócio-simbólica, convidando os capitais da burguesia comercial macaense de outrora a investir na educação quase aristocrática dos filhos nos meios mais elitários europeus. Muito poucos conseguiram acumular e utilizar esta educação, muitos outros destruíram celeremente as operosas fortunas paternas destes grandes comerciantes oitocentistas de Macau. Bibliografia: FORJAZ, Jorge, Famílias Macaenses, vol. I, (Macau, 1996), 261-263; MOURA, Carlos Francisco, “Relações entre Macau e o Brasil no Século XIX”, in Revista de Cultura, n.° 22 (Macau, 1995), pp. 31-49.
ARAÚJO, ALBINO JOSÉ GONÇALVES DE (1797-1832)
Fonte: | Arquivo de Macau, documento n.ºMNL.09.05.F |
Entidade de coleção: | Arquivo de Macau |
Fornecedor da digitalização: | Arquivo de Macau |
Tipo: | Imagem |
Fotografia | |
Fotografia de grupo | |
Preto e branco | |
Formato das informações digitais: | TIF, 2000x1387, 2.65MB |
Identificador: | p0004345 |
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