
Informações relevantes
Data de atualização: 2020/09/03
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
A primeira grande expedição naval portuguesa a Cantão teve lugar em 1517 e foi comandada por Fernão Peres de Andrade. El-Rei D. Manuel I (r.1495-1521) estava por esses anos a pôr em prática um sistemático plano de intervenção portuguesa no comércio asiático de produtos exóticos, através do estabelecimento de feitorias e fortalezas em diversos locais estratégicos da litoral da Ásia, como Goa, Malaca e Ormuz. Entretanto, chegam a Lisboa entusiásticas notícias sobre a extraordinária importância da China no contexto mercantil da Ásia Oriental, enviadas do Oriente por agentes portugueses na sequência da conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque (1511). E o monarca lusitano logo decide despachar para os mares asiáticos uma importante armada, com o propósito de efectuar o ‘descobrimento da China’, ainda antes de chegarem a Portugal notícias da pioneira viagem de Jorge Álvares à ilha chinesa de Tamão (1513). Fernão Peres de Andrade, quando embarca em Lisboa em Abril de 1515, era um homem de cerca de 26 anos, assaz experiente em assuntos asiáticos, pois vivera no Oriente entre 1505 e 1514, colaborando activamente na fixação dos portugueses naquelas paragens. Participara, nomeadamente, na conquista de Malaca, sendo então nomeado capitão-do-mar da praça, com o encargo de assegurar a respectiva defesa. Entre 1514 e 1515 efectuou uma rápida viagem a Portugal, certamente com o intuito de solicitar retribuição régia para os serviços prestados. E el-rei D. Manuel, como recompensa, concedeu-lhe o comando da primeira expedição portuguesa oficial a demandar a China. A armada de 1515 aportou em princípios de Setembro do mesmo ano a Goa, que era já então o centro estratégico das actividades orientais dos portugueses. No litoral indiano juntou-se a Fernão Peres o boticário Tomé Pires, que deveria participar na expedição à China na qualidade de embaixador do monarca português. Apesar de ser homem de “pouca qualidade”, como referem os cronistas coetâneos, Tomé Pires possuía ampla cultura livreira, para além de ser especialista em assuntos asiáticos, já que estava então a dar os últimos retoques na sua Suma Oriental, a primeira grande e sistemática geografia portuguesa, e europeia, da Ásia marítima. Em Janeiro de 1516, Fernão Peres de Andrade rumou a Malaca, fazendo de caminho escala no sultanato de Pacém, onde pretendia efectuar um importante carregamento de pimenta samatrense, essencial ao bom sucesso mercantil da expedição em preparação. Pois se os objectivos prioritários da jornada à China eram de natureza política e diplomática, o aspecto comercial de forma alguma era descurado pelos portugueses. Mas, naquele porto, um imprevisto acidente destruiu a maior das naus de Fernão Peres, inviabilizando nesse ano a viagem da China, já que sem carga de pimenta não valeria a pena rumar aos portos chineses. Assim, o capitão-mor da expedição e os seus homens foram obrigados a permanecer no porto de Malaca durante cerca de um ano. E entretanto, em finais de 1516, puderam trocar impressões com Rafael Perestrelo, que, chegando à praça portuguesa de regresso da sua expedição de 1515 ao litoral chinês, comprovou tanto a elevada rentabilidade da viagem da China, como o ambiente francamente acolhedor que era, proporcionado aos portugueses. Fernão Peres largou de Malaca em Junho de 1517, comandando uma armada de sete ou oito velas, e dois meses mais tarde chegava finalmente às ilhas do litoral cantonense. A partir de então, e durante mais de um ano, o capitão-mor e vários navios da sua armada permaneceriam em território chinês. Uma parte da armada, a bordo da qual seguiam Fernão Peres e Tomé Pires, ultrapassou as ilhas da embocadura do rio das Pérolas, onde até então os portugueses haviam realizado os seus negócios, e rumou directamente a Cantão, não sem alguma resistência das autoridades chinesas. A chegada dos navios portugueses à cidade de Cantão causou assinalável escândalo entre a população, não só pelo ineditismo da situação, mas também pelo comportamento invulgar dos estrangeiros, que dispararam ruidosamente os seus canhões, numa forma para eles tradicional de saudar os locais onde chegavam. Mas, após a comoção inicial e as imediatas explicações do capitão-mor, a situação normalizou-se de todo e os portugueses foram autorizados pelos mandarins cantonenses a ancorar às portas da cidade. Por um lado, as mercadorias foram desembarcadas e deu-se início a um prolongado período de frutuosos intercâmbios mercantis. Por outro lado, Tomé Pires e os seus acompanhantes foram desembarcados, logo seguindo para Pequim o pedido de autorização para a embaixada seguir para a capital imperial. Mas se os negócios correram de forma extremamente auspiciosa, o mesmo não se passaria com a missão diplomática, pois mais de três anos se haveriam de passar antes de Tomé Pires rumar a Pequim. Como depois se veio a verificar, as relações externas da China eram regidas por um rigorosíssimo protocolo, que apenas previa a recepção de embaixadas tributárias de estados formalmente vassalos do Império do Meio. Os hábitos diplomáticos europeus, como os portugueses viriam a constatar de forma trágica, não tinham aplicação na China, e muitos anos seriam necessários para que as relações luso-chineses, do ponto de vista oficial, se normalizassem. Mas a estadia da armada de Fernão Peres em Cantão não deixou de constituir um estrondoso sucesso a vários títulos. Em primeiro lugar, tanto o capitão-mor como os seus homens fizeram proveitosos negócios com os mercadores cantonenses, adquirindo significativas quantidades das mais valiosas mercadorias chinesas (porcelanas, sedas, almíscar, ruibarbo, raiz-da-china, etc.). Em segundo lugar, os portugueses visitaram repetida e demoradamente a cidade de Cantão, anotando com cuidado os principais traços urbanos da grande metrópole chinesa. Em terceiro lugar, puderam recolher valiosas informações sobre múltiplos aspectos da realidade chinesa, desde a topografia e a hidrografia de partes consideráveis das províncias de Guangdong 廣東 e Fujian 福建, até aos hábitos e costumes das populações chinesas ribeirinhas, passando pelas características mais salientes da organização política e administrativa e das actividades culturais e religiosas. Em quarto lugar, Fernão Peres deixava aberta a porta para um posterior desenvolvimento das relações luso-chinesas, pois conseguira impor junto das autoridades cantonenses uma imagem basicamente positiva dos portugueses. Esta imagem, aliás, fora consolidada pelo anúncio público que mandara fazer pelas ruas de Cantão, afirmando que estava disposto a satisfazer todas as reclamações que os chineses tivessem contra os portugueses e a reparar quaisquer danos ou dívidas atribuídas aos homens da sua tripulação. Em meados de 1518, enfim, os navios portugueses abandonaram o porto de Cantão, navegando até às ilhas do litoral, para de seguida, em finais de Setembro, rumarem a Malaca, onde chegariam cerca de um mês mais tarde. Nas palavras elogiosas do cronista João de Barros, Fernão Peres de Andrade, para além de deixar a China assentada, voltara de lá “mui próspero em honra e fazenda, coisas que poucas vezes juntamente se conseguem “. Eventualmente, o capitão-mor regressou à Índia, durante o ano de 1519, para logo depois seguir para Portugal, onde chegaria a salvamento em 1520. Seria depois recebido em Évora, por el-rei D. Manuel, a quem deu demorada conta das suas aventuras chinesas, como testemunha o cronista Damião de Góis, na sua Crónica do reinado daquele monarca. Terá recebido devida recompensa da coroa portuguesa, pois em anos seguintes vemo-lo desempenhar importantes cargos de nomeação régia, que valerá a pena referir resumidamente, complementando o ‘episódio chinês’, certamente o mais celebrado na sua biografia. Em 1521, Fernão Peres comanda a armada que leva a França a Infanta D. Beatriz, que casara com o duque de Sabóia por procuração. Nos anos seguintes, prestou várias vezes informações no conturbado processo da Questão das Molucas. Em algumas ocasiões comandou armadas de defesa da costa portuguesa (1528). E em 1533 poderá ter estado na Costa da Malagueta, sempre em serviço oficial. Efectuou também diversas e importantes viagens ao litoral de Marrocos, em missões relacionadas com a defesa das praças portuguesas, visitando nomeadamente Azamor e Mazagão (entre 1523 e 1541). Voltou ao Oriente por duas vezes, pois em 1535 e 1544 encontramo-lo como capitão-mor da armada da carreira da Índia. Teve, pois, uma agitada carreira de homem de armas, sempre em posições de destaque. Estas circunstâncias explicam que em 1542 tenha sido oficialmente nomeado conselheiro de D. João III (r.1521-1557); que em 1546 lhe tenha sido atribuído o destacado cargo de Provedor dos armazéns da cidade de Lisboa e armadas, com competência sobre as armadas da Índia; e que em 1549 tenha também tomado posse do cargo de Armador-mor. Peres de Andrade faleceu em Julho de 1552. Todas as fontes coetâneas confirmam que, depois da viagem de 1515-1520 à China e durante mais de três décadas, Fernão Peres de Andrade desempenhou cargos de destaque nos meios marítimos e ultramarinos portugueses. As suas experiências no Mar do Sul da China adquiriram excepcional repercussão pelo facto de ele próprio ter fornecido ao cronista João de Barros elementos essenciais para a composição das abundantes notícias sobre Cantão em particular e sobre a China em geral que figuram na Ásia – Década III, que foi impressa em Lisboa em 1563. Alguns historiadores sugerem mesmo que, depois da visita efectuada a Cantão, onde pôde observar com vagar variados aspectos da construção naval chinesa, Fernão Peres teria sido responsável pela introdução em Portugal de duas inovações de carácter técnico neste domínio: a calafetagem dos navios à maneira chinesa e a aplicação de varandas traseiras aos navios de maior porte. Bibliografia: LOUREIRO, Rui Manuel, Fidalgos, Missionários e Mandarins – Portugal e a China no Século XVI, (Lisboa, 2000); SMITH, Ronald Bishop, Fernão Peres de Andrade, (Lisboa, 1981).
ANDRADE, FERNÃO PERES DE (?-?)
Lord Earl Amherst era sobrinho do 1.º Barão de Amherst, Jeffrey Amherst – marechal de campo e conhecido herói de guerra, que comandou as tropas britânicas em vários teatros de guerra – e sucedeu-lhe no título, após a morte deste em 1797. Foi Governador Geral da Índia Inglesa de 1823 a 1828 e responsável pelo alargamento da influência desta, na sequência da 1.ª guerra com a Birmânia, de que resultou a anexação de parte do seu território. A sua ligação a Macau prende-se fundamentalmente ao facto de ter comandado a segunda e última missão diplomática britânica que alcançou Pequim, antes da Guerra do Ópio, e ao impacto que essa embaixada teve no relacionamento sino-britânico e na gestão dos apetites britânicos sobre Macau. Tanto a primeira embaixada inglesa ao Imperador da China, que fora comandada por Macartney em 1793, como esta, foram ambas um fracasso. Lord Amherst não chegou a ser recebido pelo Imperador e teve de abandonar o país por Cantão, local por onde entrara com grandes projectos. Essa embaixada chegou a Macau, em Julho de 1816, e regressou por Macau, onde desembarcou em 22 de Janeiro de 1817 e onde permaneceu 3 dias. A importância para Macau desta expedição deve-se a vários factores que, conjugados, foram marcantes. Em primeiro lugar, a conjuntura internacional em que a Grã-Bretanha, na sequência das guerras napoleónicas, emergiu como a superpotência ocidental e foi gradualmente impondo o seu liberalismo económico a nível mundial. Em segundo lugar, numa alteração da percepção inglesa sobre o relacionamento com Pequim, confirmando-se que esta não aceitava, mais uma vez, aceder a relações de Estado numa base de igualdade. Em terceiro lugar, a constatação de que não seria possível obrigar a China a abrir-se ao exterior sem o uso da força. Esta opção não constava, contudo, no horizonte da política externa inglesa, a curto ou médio prazo, dado que havia outras prioridades no Império Colonial Inglês e ainda não se alcançara uma clara superioridade militar britânica. Não foram solicitados territórios ao Imperador, dados os fracassos anteriores, quer de Macartney quer das duas tentativas britânicas de anexação de Macau (1802 e 1807), na sequência das guerras napoleónicas, que tinham conhecido franca hostilidade das autoridades chinesas. Em quarto lugar, os relatos de viagem mencionavam Hong Kong, local onde a esquadra se abasteceu, segundo orientação da Companhia da Índias Orientais (EIC), e que a partir daí, começava a entrar com regularidade nos relatos e roteiros dos comerciantes ingleses. Em quinto lugar, os britânicos retomaram a ideia de se estabelecerem noutros locais para além de Macau, sendo que este estabelecimento poderia ser utilizado como base de apoio no processo de implantação desses novos estabelecimentos. Antiga ideia inglesa, por exemplo, em 1793, Lord Macartney solicitara as ilhas de Chusan ou alguma perto de Cantão. Em 1834, a também fracassada missão de Lord Napier pretendia solicitar a permissão de estabelecimentos de britânicos em Lantau e Hong Kong. Assim, neste período que marcou o advento de Hong Kong, as atenções rodeavam Macau, mas o insucesso da viagem de Lord Amherst contribuiu para uma redução dos apetites britânicos sobre Macau e a manutenção deste estabelecimento na posse da coroa portuguesa, então enfraquecida pelas dependências resultantes da sua ida para o Brasil, situação que se agravou com as guerainda do fracasso desta embaixada, por manter por mais alguns anos o seu estatuto de único entreposto ocidental na China. Era o único porto da China onde os comerciantes ocidentais podiam pernoitar o ano inteiro e os representantes das companhias podiam viver acompanhados das suas mulheres. Na altura desta embaixada, Macau era uma cidade cosmopolita, que albergava os comerciantes das feitorias estrangeiras de Cantão, e o homem mais poderoso da cidade era o conhecido ouvidor Miguel de Arriaga. Residia, por exemplo, desde 1807, em Macau, Robert Morisson, que na altura trabalhava na tradução da Bíblia (“Novo Testamento”) para chinês. Morisson integrou a embaixada de Lord Amherst a Pequim, como secretário de língua chinesa. A presença inglesa era significativa e a “Casa Garden” pertencia à Honorável Companhia Inglesa das Índias Orientais (EIC), que já dominava a maioria do comércio externo chinês, em Cantão. Os comerciantes americanos e os portugueses eram os maiores competidores. Quanto ao comércio de ópio, importado fundamentalmente da Índia inglesa, estava em franco desenvolvimento, desde o ínicio do século, apesar das proibições publicadas pelas autoridades chinesas, contudo, parecia que ainda não tinha atingido níveis preocupantes para as autoridades chinesas. As exportações de ópio cresceram no período em que Lord Amherst foi governador-geral da Índia, mas só uma maior investigação permitiria conhecer se a sua accão teve algum peso significativo nesse sentido ou se apenas é uma manifestação de uma tendência que acompanhou toda a primeira metade do século XIX. Será também de realçar que foi no final do ano da passagem de Lord Amhest por Macau, e também influenciada pelos efeitos dessa embaixada, que impulsionada pelo ouvidor Miguel de Arriaga se fundou, em Macau, a gigantesca sociedade comercial Casa do Seguro Mercantil”, que associava a maioria de comerciantes portugueses, o próprio Leal Senado e a Misericórdia, e se destinava a combater a concorrência dos comerciantes britânicos. A sede desta firma foi posteriormente transferida para Calcutá, residência do governador geral da Índia, e quando a sociedade foi dissolvida em 1827, após a morte do ouvidor, era governador geral Lord Amherst. Na análise da personalidade de Lord Amherst não se poderá deixar de mencionar que na viagem de retorno, que também foi muito atríbulada, com o afundamento do seu navio, o Alceste, ele teve de mudar de navio e conheceu uma alteração de rota, aportando em S.ta Helena, onde aproveitou para visitar Napoleão, com quem teve vários encontros. Durante a sua governadoria, em 1826, foi fundada na Birmânia a cidade de Earl Amherst, em sua honra. Depois do seu regresso da Índia, retirou-se para a sua quinta, onde residiu até ao seu falecimento, quase 30 anos depois. Bibliografia: PINTO, Carlos Lipari Garcia, Macau Oitocentista e o Impacto da Fundação de Hong Kong, (Macau, 1994, policopiado); RIDE, Lindsay; RIDE, May, An East Company Cemetery. Protestant Burials in Macao, (Hong Kong, 1996).
AMHERST, LORD EARL WILLIAM PITT (1773-1857)
AZEVEDO, JORGE PEREIRA DE (?-?). Soldado, capitão e comerciante português que viveu no século XVII. Pouco se sabe dele. No entanto, deixou um manuscrito sobre o relato das suas viagens pelo Oriente, encontrando-se uma das cópias na Biblioteca da Ajuda, com o título Advertência de muita Importância há Magestosa Coroa del Rey N. Sor D. João V e Apresentadas ao Conselho de Estado da Índia na Mão do V Rey D. Filipe por Jorge Pereira(?) de Azevedo, Morador na China em 1646 (cód. 54-XI-21-9). No referido documento fornece uma visão geral do império português do Oriente, por onde passou, realizando em simultâneo uma análise crítica sobre a decadência do mesmo, sugerindo diversas maneiras de ultrapassar a crise utilizando os recursos existentes. Refere que o Estado da Índia se encontrava completamente miserável e era pouco evangelizado, indicando que a Coroa portuguesa corria sérios riscos de o perder. Na sua opinião, havia uma má gestão do mesmo. Começa o texto destacando que teve uma experiência de vinte e quatro anos na Índia, servindo como militar, mas ao mesmo tempo como comerciante, referindo ser prática na época. Fundamenta as advertências que faz ao rei D. João V através da experiência adquirida nas zonas em análise, como militar, mas essencialmente como comerciante. O relato das suas viagens começa em Moçambique, onde afirma ter conhecido a zona dos rios Cuama, e as cidades de Mombaça e Melinde. Ao longo do texto vai indicando nomes de capitães, como o de Nuno Álvares Botelho, capitão do navio onde viajou, atravessando o estreito de Mascate e aportando a Diu. Percorreu também a área de Samatra, dizendo que foi através dos holandeses que visitou Jacarta. No entanto, diz concretamente que até à data da redacção do documento não tinha estado no Bornéu, Macassar, Solor e Timor. Indica que a época mais próspera para a gente lusa no Oriente foi quando se deslocavam por ano nove naus com cerca de quinhentos a mil homens. Relativamente a Macau, a que dedicou uma parte do manuscrito, visitou-a por volta de 1643, referindo haver um número muito elevado de mulheres cristianizadas. Considera que a viagem do trato ao Japão já não era suficiente, devido ao crescimento excessivo da cidade. No texto vai tomando em consideração várias hipóteses de como Macau se recuperar devido à perda do comércio com o Japão e a tomada de Malaca pelos holandeses, sugestões baseadas em rotas comerciais alternativas dentro da zona. Todo o texto está escrito de forma fluente e, aparentemente, com conhecimento directo dos lugares indicados. Bibliografia: MATOS, Artur Teodoro de (ed.), “‘Advertências’ e ‘Queixumes’ de Jorge Pinto de Azevedo a D. João IV, em 1646”, in Povos e Culturas, n.° 5, (Lisboa, 1996), pp.431-545.
AZEVEDO, JORGE PEREIRA DE (?-?)
No dia 3 de Março de 1717, foi recebida uma chapa (ofício) do Vice-Rei de Cantão pedindo a ida de quatro representantes do Senado à sua presença, a fim de lhes entregar uma chapa e ordem do Imperador, que aprovou umas decisões feitas pelo Tribunal da Milícia, nas quais se resolveu que os navios de Macau poderiam navegar e comerciar pelas cinco Províncias do Império e mares de Este, proibindo-lhes apenas a navegação dos mares do Sul.
Chapa e ordem do Imperador
Simão de Andrade era irmão de Fernão Peres de Andrade, o célebre capitão que comandou a primeira grande expedição portuguesa a Cantão em 1517-1518. Partiu uma primeira vez para a Índia em 1503, quando contava cerca de 13 anos, na companhia de seu irmão, e colaborou com Afonso de Albuquerque em alguns dos mais importantes episódios do estabelecimento da presença portuguesa na Índia. Esteve na conquista de Goa em 1510, tomou parte na tomada de Malaca em 1511 e dois anos mais tarde participou no fracassado assalto a Adém. Como recompensa pelos serviços prestados à coroa portuguesa, recebeu em 1518 a mercê de uma viagem à China, onde então se encontrava o seu irmão Fernão Peres. Nos primeiros meses do ano seguinte Simão Peres largava do litoral ocidental da Índia com destino ao Celeste Império. Um mês depois fazia uma escala técnica em Pacém, na extremidade meridional da Ilha de Samatra, para carregar pimenta, pois em anteriores contactos com a China os portugueses tinham verificado que esta era uma das mercadorias mais apreciadas pelos chineses. Após uma curta escala em Malaca, Andrade tomou o caminho da China em meados de 1519, acompanhado por vários outros navios, um dos quais era capitaneado por Francisco Rodrigues, talvez o conhecido cartógrafo que poucos anos antes tinha desenhado os primeiros mapas do litoral da China e da região de Cantão. Em Agosto de 1519, após uma viagem sem incidentes, Simão de Andrade aportava a Tamão (Tunmen 屯門), pequena ilha na embocadura do rio das Pérolas, onde os portugueses se tinham habituado a fazer as suas trocas mercantis com os chineses do continente vizinho. Simão de Andrade não possuía certamente o temperamento diplomático e conciliador do seu irmão, e rapidamente entrou em conflito com as autoridades chinesas e com a população da região de Cantão. Em primeiro lugar, mandou construir uma fortaleza de pedra e madeira na ilha chinesa, provendo-a da necessária artilharia. Este facto parece ter desagradado sobremaneira aos mandarins cantonenses, excessivamente zelosos da integridade territorial do Celeste Império. Mas o capitão português, para além de estar a cumprir ordens régias, estava a precaver-se contra eventuais ataques de piratas, semelhantes aos que em anos anteriores ali mesmo tinham molestado as embarcações portuguesas. De seguida, Simão de Andrade mandou erguer uma forca, anunciando que nela castigaria qualquer português que ofendesse os chineses, ameaça que logo de seguida pôs em prática. Apesar da medida lhes ser favorável, as autoridades locais encararam esta actuação como atentatória da soberania chinesa, uma vez que o exercício da pena de morte era uma prerrogativa imperial. Mas mais uma vez o capitão português deveria estar a cumprir as disposições do seu regimento, o documento régio que continha as instruções que cada capitão devia respeitar. Não ficaram por aqui os problemas com a burocracia chinesa. Aparentemente, Andrade impediu que os navios siameses que se encontravam nas imediações de Tamão efectuassem quaisquer negócios com os chineses antes de os portugueses terem completado as suas transacções. Também aqui, ao que parece, estava a cumprir instruções explícitas de el-Rei D. Manuel I. Recusara-se ainda a satisfazer os direitos que lhe eram exigidos pelas alfândegas chinesas, e aqui, sim, poderia estar a adoptar um comportamento menos próprio. A partir destes acontecimentos, a cronística portuguesa da época construiu em torno de Simão de Andrade uma verdadeira lenda negra, responsabilizando-o pelo subsequente rompimento das relações luso-chinesas. No que tem sido seguida, aliás, pela mais moderna historiografia. Como é sabido, em 1521-1522, na sequência da morte do imperador chinês Zhengde 正德, os membros da embaixada de Tomé Pires, que tinham sido desembarcados em Cantão por Fernão Peres de Andrade em 1517, foram aprisionados, ocorreram violentos confrontos entre navios portugueses estacionados no rio das Pérolas e as armadas imperiais chinesas, e as relações entre a China e os portugueses, os folangji 佛朗機, foram formalmente interrompidas. Mas este corte de relações ocorreu bastante depois de Simão de Andrade ter abandonado definitivamente o litoral chinês. Com efeito, o capitão português permaneceu na ilha de Tamão durante cerca de um ano, dedicando-se sem qualquer oposição dos chineses às habituais transacções mercantis. É mesmo provável que alguns portugueses tenham subido o rio até Cantão, onde chegaram a contactar com Tomé Pires, que permanecia naquela cidade aguardando autorização para seguir para Pequim. E, como foi referido, quase todos os seus comportamentos que levantaram objecções da parte das autoridades chinesas estavam previstos nas instruções que recebera do monarca português. Assim sendo, parece que Simão de Andrade pode ser aliviado de algumas das culpas que lhe têm sido atribuídas no fracasso da primeira aproximação dos portugueses à China. Ao adoptar determinado tipo de comportamentos mais agressivos, Andrade estava apenas a repetir atitudes que tinham sido tomadas pelos portugueses em outros pontos da Ásia marítima com relativo sucesso. O volume de informações que os portugueses possuíam sobre a China em 1518-1519 era ainda bastante incipiente, incluindo sobretudo dados de natureza náutica e mercantil, de forma que o capitão português não poderia estar preparado para enfrentar com as devidas precauções um estado tão poderoso e tão centralizado como a China do tempo dos Ming 明. Em finais de 1520 a frota de Simão de Andrade largava da ilha de Tamão (Tunmen 屯門) sem qualquer oposição das autoridades chineses, nada indicando que em breve as relações com os portugueses se viriam a degradar. Aliás, os negócios continuaram a desenvolver-se por mais um ano. Em Fevereiro do ano seguinte já Andrade se encontrava em Cochim, no litoral ocidental da Índia, correndo entre os portugueses a fama que vinha muito rico. Posteriormente, seria nomeado capitão da fortaleza portuguesa de Chaul, cargo que desempenhou entre 1521 e 1524. Depois desta data, a documentação coeva deixa de o mencionar, pelo que é bastante provável que tenha morrido em 1524 ou 1525, talvez durante a viagem de regresso a Portugal. Bibliografia: LOUREIRO, Rui Manuel, Fidalgos, Missionários e Mandarins – Portugal e a China no Século XVI, (Lisboa, 2000).
ANDRADE, SIMÃO DE (?-?)
AZEVEDO, MANUEL JOAQUIM BARRADAS DE (1746-1819). Nascido em Macau e baptizado na Sé, em 1746, Manuel Joaquim Barradas de Azevedo era neto de um “reinol” que, de seu nome Gaspar Barradas de Azevedo, conseguiu prosperar no início do século XVIII investindo nos tratos mercantis da cidade e, como sempre acontecia, chegando à vereação camarária e à mesa da Santa Casa da Misericórdia. A fortuna deste primeiro Barradas de Azevedo passaria para o seu filho varão Sebastião, mas seria consolidada e ampliada pelo seu activo neto Manuel Joaquim. À imagem do avô, cerzindo estreitamente poder económico e representação política, encontrámos Manuel de Azevedo a ocupar sucessivamente os cargos de almotacé camarário, em 1778, depois de alferes-mor, em 1792, chegando no ano seguinte à prestigiada posição de juiz ordinário do, nesta altura, ainda poderoso, Leal Senado. Em 1777, um estratégico casamento com Francisca Antónia Correia de Liger permite concretizar uma aliança fundamental com uma das mais poderosas dinastias políticas e comerciais da parte cristã do enclave. Ao lado do todo poderoso António Correia de Liger, muitas vezes vereador, procurador do Senado e provedor da Santa Casa, e do seu filho Filipe Correia de Liger, Manuel Barradas de Azevedo investe regularmente vários milhares de taéis de prata, sobretudo a partir de 1779, nos barcos e principais destinos comerciais animados por Macau: da Cochinchina a Surate, de Timor a Batávia. Acabaria por falecer na Sé, em 1819, mas deixando descendência que continuou a sua lucrativa actividade mercantil, mas já conveniente e estrategicamente baptizada com o poderoso apelido de Correia de Liger. Bibliografia: SOUSA, Ivo Carneiro de, A Outra Metade do Céu de Macau. Escravatura e Orfandade Femininas, Mercado Matrimonial e Elites Mercantis (Séculos XVI-XVIII), (Macau, 2006).
AZEVEDO, MANUEL JOAQUIM BARRADAS DE (1746-1819)
No dia 22 de Setembro de 1714, o Ouvidor Manuel Vicente Rosa manda encarcerar António de Albuquerque Coelho na Fortaleza da Guia; este, dois anos antes, mandara prender o mesmo Vicente Rosa. A 22 de Setembro de 714, Coelho escreve ao Ouvidor Rosa, protestando contra a sua prisão, alegando que fizera isso por paixão “como inimigo declarado seu, já de cinco anos a esta parte”. Tendo sido solto, Albuquerque parte para Goa, para se justificar junto da Relação, em fins deste ano. Antes de partir mandou fazer um sino, que ainda existe na ilha de Adonara (em frente de Solor) na Igreja de Vure, com esta inscrição: “António de Albuquerque Coelho Fidalgo da Casa de Sua Magestade mandou fazer este sino em 1 de Dezembro de 1714”.
Ouvidor manda encarcerar António de Albuquerque Coelho
ARAÚJO, ALBINO JOSÉ GONÇALVES DE (1797-1832). Nascido no Rio de Janeiro em 1797, Albino José Gonçalves de Araújo pertence a esse muito pouco estudado grupo de funcionários, militares e comerciantes brasileiros que viria a deixar o Brasil após a sua declaração de independência, em 1822, dispersando-se por vários outros horizontes coloniais portugueses. Araújo decidiria fixar-se em Macau ainda na década de 1820 para encetar próspera actividade mercantil. Beneficiando do seu conhecimento das produções das terras brasileiras, conseguiu tornar-se proprietário de um navio em Macau, o Conde de Rio Pardo, imediatamente especializado em tratos com o novo país independente, sobretudo na importação lucrativa de tabaco em pó, depois vendido com grandes vantagens económicas nos mercados chineses e asiáticos. A sua promoção económica sustentou, como era normativo na sociedade macaense epocal, o seu acesso aos dois principais pilares do “regime” da cidade: o Leal Senado e a Santa Casa da Misericórdia. Assim, em 1824, encontrámos já Albino de Araújo a desempenhar o cargo de almotacé do Senado para, a seguir, em 1829, ser consensualmente eleito irmão da Santa Casa, uma consideração absolutamente indispensável para integrar a sua actividade económica e situação social na comunidade da burguesia comercial católica que continuava a dominar os tratos animados por Macau. Falecido no enclave em 1832, o rico comerciante deixava ao seu único filho uma importante fortuna, em capitais mobiliários e imobiliários, avaliada em fartos quatrocentos contos que o seu singular descendente se encarregou de dissipar ao longo da sua europeia vida. Chamava-se Albino Francisco de Araújo este dissoluto varão que, nascido em S. Lourenço, em 1832, rumou para as atractivas boémias parisienses, percorreu as outras grandes capitais da Europa, instalou-se com excessiva generosidade nas noites portuenses e lisboetas, acabando por se suicidar em Paris, em 1872. Uma “história” que vários outros grandes comerciantes macaenses da primeira metade de Oitocentos foram dramaticamente partilhando: quando não era a concorrência económica a destruir-lhes firmas e negócios existia sempre essa transmissão de uma fortuna a filhos que preferia dirigir-se para o mundo europeu, entre educação e fascínio cultural, muitos acabando rapidamente por dissolver os fartos cabedais paternos. Uma sorte de legado e transformação sócio-simbólica, convidando os capitais da burguesia comercial macaense de outrora a investir na educação quase aristocrática dos filhos nos meios mais elitários europeus. Muito poucos conseguiram acumular e utilizar esta educação, muitos outros destruíram celeremente as operosas fortunas paternas destes grandes comerciantes oitocentistas de Macau. Bibliografia: FORJAZ, Jorge, Famílias Macaenses, vol. I, (Macau, 1996), 261-263; MOURA, Carlos Francisco, “Relações entre Macau e o Brasil no Século XIX”, in Revista de Cultura, n.° 22 (Macau, 1995), pp. 31-49.
ARAÚJO, ALBINO JOSÉ GONÇALVES DE (1797-1832)
Fonte: | Arquivo de Macau, documento n.ºMNL.09.05.F |
Entidade de coleção: | Arquivo de Macau |
Fornecedor da digitalização: | Arquivo de Macau |
Tipo: | Imagem |
Fotografia | |
Fotografia de grupo | |
Preto e branco | |
Formato das informações digitais: | TIF, 2000x1387, 2.65MB |
Identificador: | p0004345 |
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